22.12.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (130) - Música & Som #especial "New Wave"


Música & Som
Nº ESPECIAL - NEW WAVE
Julho de 1980
Esc. 50$00




Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Director: A. Duarte Ramos
Chefe de Redacção: Jaime Fernandes
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lda.
Colaboradores:
Ana Rocha, António Pedro Ferreira, Bernardo Brito e Cunha, Fernando Peres Rodrigues, Henrique Amoroso, Hermínio Duarte-Ramos, João David Nunes, João Gobern, João de Menezes Ferreira, Nuno Infante do Carmo, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Norberto, Pedro Ferreira, Pedro Cristina de Freitas, Raul Bernardo, Trindade Santos.
Correspondentes:
França: José Oliveira
Holanda: Miguel Santos e João Victor Hugo
Inglaterra: Jorge Cortesão e Ray Bonici

Tiragem 15 000 exemplares
56 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.



AVE ROCK, Morituri te salutant
por Ana Rocha



«Já a minha pele encarquilhada estala
Já rastejo no meio de ervas e dos calhaus
Apesar de tanta terra absorvida
DESEJO UMA TERRA NOVA...
Acompanhando o meu rasto sinuoso
Ávido de comer o meu repasto
DESEJO UMA TERRA NOVA...»

Assim (quase que) falava o Rock...
Assim poderíamos exprimir a sensação de cansaço que antecedeu o movimento punk liderado por uma geração ("Blank Generation"...) enraivecida... revoltada... inconformada com o torpor circundante. O percurso musical dos primeiros cinco anos da década de 70 (não falamos em termos de homogeneidade absoluta) desenvolveu-se numa linha de continuidade em relação a um passado imediatamente anterior. Os rostos eram os mesmos, os envólucros eram outros.
A bomba rebentou no meio de um show-biz de chéchés desprevenidos e comodamente entretidos em ressuscitar a sua caducidade magra... famélica... hediona... A lamentável auto-complacência («Não é o vosso pecado, é a vossa banal satisfação que brada aos céus, é a vossa parcimónia mesmo no pecado que é chocante») para com a ausência de inspiração, o consequente recurso a repetições mais ou menos disfarçadas, a desagregação de grupos fundamentais (Doors, Beatles, Stooges, Velvet Underground, and so on), o desgaste, foram factores entre outros que muito terão contribuído para o emergir da revolta punk. Do desencanto surgiu a contestação disposta a abalar um edifício de ídolos balofos e entediadamente venerados).
A insurreição veio (como um cavalo louco...) ostensivamente quebrar velhas estruturas, apoiando-se num background social comum a anteriores movimentos de contestação (Rockers... Teddy-boys...). à frieza e habilidade técnica foram contrapostos valores como a espontaneidade, o entusiasmo, o frenesim desesperado. Deste conflito dinâmico, deste confronto entre dois mundos empenhados numa tentativa de exclusão mútua - um depositário e continuador de uma herança, o outro recusando os padrões estabelecidos, arrancando as suas raízes numa atitude simultaneamente brutal e vital) - resultou algo que rapidamente foi rotulado de «New-wave». Mas não nos antecipemos...
A sensação nada gratificante do «Nada mais há a esperar... chafurdamos nesta pocilga e estamos condenados a ficar nela...» conduziria irremediavelmente ao rebentar de uma reacção violenta e agressiva.
O sistema capitalista com as sempiternas promessas de melhoria da qualidade (QUAL?) de (sub)vida já não enganava a malta. Os projectos de reestruturação social eram uma blague-para-entreter- ingénuos sonhadores. As soluções apresentadas pelo sistema faziam parte de uma diabólica engrenagem e eram lançadas no mercado para serem consumidas por aqueles que ainda acredita(va)m na possibilidade de renovação do próprio sistema Transformação/Revolução na Continuidade... (Baaaahhhhh!).
Amargas ilusões, meus, paninhos mornos...
Ná, que a malta não é estúpida... nem sempre está numa de se deixar manipular (a manipulação actual porque mascarada... paternalista... subrreptícia... é a mais feroz de todas. Tudo permitindo acaba por nada permitir)...
E munidos de símbolos aterradores os punks invadiram a praça pública, dando largas a uma violência incontrolada... desafiando um quotidiano merdoso e entorpecente... o suborno sempre renovado do salário no fim do mês... o «Take it easy» era absolutamente intolerável. A pressa de (sub)(sobre)viver impunha-se como uma exigência imediata. Não dava para curtir (a merda) devagarinho. Devagar não se vai longe. (E depressa?). Àparte chato.
A finalidade óbvia pareceia ser o esmurrar de uma sensibilidade anémica... enfraquecida... modorrenta... por meio de uma subversão chocante / estimulante. Essa subversão tinha que ser posta em cena, tinha que ser montada num espaço cénico delimitado, de modo a forçar o (não respeitável) público a inventar / descobrir uma substância imaginária nova, emoções diferentes, em sintonia com os executores do cerimonial.
A figura humana... real e contudo afastada... a voz... o deambular... o jogo dos músculos... o suor do corpo... a crispação / tensão... a sombra... a luz dos projectores... a gesticulação... o espaço sagrado (do palco)... o espaço profano (o outro)... The ceremony is about to begin!
É que a atitude, o aspecto visual, o desafio corporal (esta história já é velhérrima...) foram aspectos determinantes no punk. E isto porque o rock (esse ainda não é muito velho...) veiculando uma maneira nova de encarar as relações entre as pessoas, veio exteriorizar uma sexualidade secularmente (e, porque não milenarmente... Ai!) recalcada. Os cabelos, os (des)penteados, as vestimentas, os adereços, o fétiche, as danças, as modas, o folclore, são aspectos facilmente constatados. Mas por detrás desta fachada houve um assumir deliberado e espectacular do corpo («Tenho uma palavra a dizer aos desprezadores do corpo... desfaçam-se dele... o que vos tornará mudos... não sois pontes do meu caminho...), bem como um pôr em questão de valores tradicionais - Trabalho, Exército, Autoridade, Dogmas políticos e religiosos, Moral, Estatuto... Uff! Enumerações chagas! Ó meus, utilizem a imaginação, não abusem da minha memória...
Regresso ao papel/função do espectáculo ao vivo, à importância da imagem do grupo condensador da revolta, do grito desesperado. Já toparam que não existe «teatro» sem delimitação do espaço cénico onde se exprimem personagens imaginárias (frequentemente catárticas)? Tomar o corpo como instrumento de criação de um personagem imaginário implica contudo condutas paralelas e marginais e o desdobramento que daí resulta não se opera nunca na quietude da intelectualidade banal e pacata. E nesta altura entra uma faca de dois gumes - a instituição (tenebrosa porque anónima... insondável) - dos mass media que vai tratar de divulgar rapidamente a imagem publicitária e (im)própria para consumo. Facto: só subsiste o que vem com aparato publicitário. Condição que frequentemente (Hèlas!) se transforma de necessária em suficiente... Mas isso são outras histórias...
O preço é pago com mais ou menos pestanejar. O melhor é pagar sem pudores hipócritas para não desgastar energias em cabeçadas na parede... As compensações são posteriores...



«Deixai a fúria ter a sua hora,
A raiva pode ser poder,
Não sabem que podem usá-la?»
São palavras actuais de um grupo que sobreviveu ao punk - os CLASH. O desespero primitivo / nihilista / suicida veio desembocar numa outra onda interessada em não se deixar destruir por um sistema que implacavelmente recupera (aniquilando) as contestações internas (das externas não reza esta história...).
Em suma, a maleabilidade, a renovação, a capacidade de conter a diversidade são alguns dos aspectos mais encorajantes do rock. A coexistência (não propriamente pacífica) de escolas modernistas determinadas pela electric music e de outras mais interessadas no ressurgimento de estilos anteriores (Rhythm & blues, rockabilly, reggae, ska...) tem tido momentos de invectiva vituperante e a - cerimoniosa. Mas, ultimamente os objectivos são similares - uma procura de maior honestidade sem chumaços ou postiços supérfluos e um ódio em relação aos complacentes excessos do rock & roll em épocas como o «Summer of Love» (67) e o «Summer of Hate» (77).
A new-wave é o sopro de vitalidade melódica que veio marginalizar as geladas manifestações do pseudo-intelectualismo caduco/barroco duns Pink FLOYD ou duns Yes (custa, meus, mas as verdades que calamos envenenam, repetimos). Não me lembro de ouvir o Iggy ou os Talking Heads entrando em 15 minutos de inúteis... entediantes jams («especialidade dos cor-de-rosa-fluídos...).
E aqui temos 1980.
Joy Division, Pop Group, Swell Maps, Talking Heads, Robert Fripp, Brian Eno, Urban Verbs, XTC, Wire, Clash, Tom Verlaine, Raincoats................................... O futuro somos nós que o fazemos.
«É terrível morrer de sede no mar. Porque salgar então a verdade de modo a já podermos matar a sede?»
LONG LIVE ROCK!
OH YEAH!
Ana Rocha



Artigos:
. Ave Rock, Morituri Te Salutant, por Ana Rocha
. Rocksex Rockpol Ecorock, por Pedro Ferreira
. Sex Pistols, por João Gobern
. Ladies & Gentlemen The Clash,
. The Jam, por João Gobern
. Xray Spex, por João Gobern
. Ramones, por Pedro Cristina de Freitas
. The Boomtown Rats, por João Gobern
. The Tubes, por João Gobern
. Patti Smith, por Ana Rocha
. Devo, por Pedro Ferreira
. The Police, por Pedro Cristina de Freitas
. The Stranglers, por Pedro Cristina de Freitas
. Blondie, por João Gobern
. Ian Dury, por João Gobern
. Os Pistols no Desarmamento, por João Gobern
. Mais Histórias Sobre As Falantes Cabeças E O Novo Mundo..., por Ana Rocha
. Tom Robinson Band, por Nuno Infante do Carmo
. La Dolce Nina, por Nuno Infante do Carmo
. The Motors, por Nuno Infante do Carmo
. E Agora? (da festa à razão de ser), por João Gobern




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