Factory
Nº 14
ABRIL-JUNIO 1997
700 PTAS.
ESPANHA
68 páginas
formato A4 (um pouquinho maior)
interior - papel grosso e a p/b
Capa a cores
Suplemento - catálogo Munsterama - Catálogo de Munster de Venta por Correo Nº2 - Marzo 1997
ché Records
A Segunda Oportunidade
Dizia o defunto Paco Costas que o homem é o único animal que tropeça duas vezes na mesma pedra. Depois do fracasso da Chereee, os responsáveis da Ché - aqui via The Green UFO's - voltaram para cavar uma dessas trincheiras onde se refugia a ética independente do rock britânico. Com Urusei Yatsura, Füxa, Kirk Lake ou Dart no seu catálogo, o airbaig é suficiente.
Vinita Joshi e Nick Allport fundaram a Ché Records no início de 1991 com a única intenção de editar a obra dos então desconhecidos Disco Inferno. A experiência acumulada ao comando da Chereee - a editora dos primeiros discos singles de Whipping Boy ou Bark Psychosis evaporou-se após trinta edições - ensinou-os a concentrar os seus esforços. E assim sobreviveram os dois primeiros anos, dando apoio ao talento de Ian Crause - o CD "In Debt", dos Disco Inferno, original de 1992 e reeditado após quase dois anos apassados, compilação das suas primeiras canções - e mordendo-se os lábios cada vez que uma nova cassete chegava Às suas caixas de correio. E assim, tendo os Suicide como sua fonte de inspiração - Ché é uma acópocope de, precisamente, "Cheree", uma canção de Martin Rev e Alan Vega sobre Che Guevara , não é de estranhar que a música te queime nas mãos.
Aliados com Tippy Toe para a edição de "Marbles" dos Tindersticks, Joshi (finanças) e Allport (criatividade) utilizam o dez polegadas para obter a notoriedade que a caprichosa imprensa britânica lhes nega. Animals That Swim - elogiados depois da sua assinatura pela Elemental -, Delta, Tripmaster Monkey, Fur o Frost Suite passam sem deixar rasto que os germano-dinamarqueses 18th Dye encandeiam John Peel. Começa então na sua modesta oficina do norte de Londres um período de actividade febril que inagura o CD-compilação "Joy! A Ché Compilation" (94) e que, nos dias de hoje, todavia, ainda não foi concluída. Com uma sorte desigual nas assinaturas - os Slipstream venderam tudo o que o mercado negou a Magic Hour - e a incorporação de Chris Cass (promoção) e John Wratten (assuntos jurídicos), a Ché vai-se convertendo a pouco e pouco no que agora é: um dos últimos redutos da ética genuinamente independente que perdura no Reino Unido.
Numa cena, a do rock britânico, onde a profissão de A&R tem que ver mais com a engenharia genética do que com o desempenho artístico - veja-se o exemplo de Bis, elevados aos céus e empurrados para o vazio sem sequer haver lançado qualquer disco -, o labor de editoras como a Ché é ainda mais meritória. Seguindo o exemplo da Mute, 4AD e Wiiija, ainda que estilisticamente mais próximos da Kill Rock Stars ou Matador, permitiram o crescimento de novas esperanças como os Bear, Dart ou Backwater, mantendo, por cima da rentabilidade, os seus votos de confiança (The Bardots). As colectâneas "Does The Word Duh Mean Anything To You?" (95) e "Disco Sucks" (96) não são apenas edições de promoção a preço simpático, mas sim verdadeiras radiografias do estado das coisas no género do rock alternativo - apresentando Bardo Pond na primeira e "scaneando" (30 Amp Fuse, Windy & Carl, Merzbow) a nova minoria psicadélica em segundo lugar - do planeta. Mesmo assim, a sua série de split singles "Ché Trading Limited Presents...", estreada por Spare Snare e Majesty Crush em 1995 e com nova edição já em preparação, permitiu descobrir uma camada de bandas (Exit, Mogwai, Dakota Suite, Transient Waves, Ligament, Space Bike, os mesmos que os The Delgados, ou os já citados Bis) que asseguram o seu futuro artístico e de outras editoras afins.
O êxito de Urusei Yatsura e, em menor medida, dos Lilys permitiu o nascimento de uma nova etiqueta/ramo, I Records, dedicado à electrónica extrema - o projecto Technoise/Hyware-, da poesia (Kirk Lake) ou do, bem..., post-rock (Drone, Füxa). Os direitos mundiais da Ché - excepto para o Reino Unido, claro - foram adquiridos pela Elektra, mas eles continuam a falar do que gostam (seja seu ou não) nas páginas do fanzine gratuito ´64 Silences of American Cheese´. E as suas setenta e sete referências do seu catálogo são um exemplo para a Chemikal Underground, Chute ou X10, editoras que, ainda que mais tarde ou mais cedo sejam absorvidas pelas majors, torneiam o clima económico com o "Faz Tu Mesmo" por lema. Filosofia?. Em 1994, Vinita Joshi teve um acidente de automóvel. Em plena recuperação, propôs aos membros da sua lista de contactos de email um concurso: escrever uma lista com canções sobre acidentes automobilísticos. Sabem qual era o prémio?: Um colarinho de gesso assinado por todas as bandas da Ché.
...
Füxa - Space Is The Place
Nada mais pós-jornalista que uma entrevista por fax: profiláctica, solipsista e sempre rodeada de uma aura de mistério. É, sem dúvida, o procedimento indicado para trocar impressões com uma banda como os Füxa, paladinos do que se convencionou chamar space rock, um eufemismo mais falso que uma moeda sevilhana para designar a evocação conjunta de Klaus Schulze, Silver Apples e Spacemen 3. "Peter (Kember) e Jason (Pierce) exerceram em mim uma grande influência. Sempre estiveram nos limites do espaço e do som - conta-nos um lacónico Randall Nieman; guitarra e teclados-, que é o que gostaria de fazer".
Vai por bom caminho. Principal instigador do projecto Once Dreamt - "o que escrevi quando estava nos Windy & Carl; não me pareceu editá-lo com o seu nome" - , foi ter com o ex Asha Vida, Ryan Anderson (baixo e percussão) essa autoestrada para o céu por onde circula agora o outro Detroit: Gravity Wax, Monoaural, Miss Bliss, os citados Windy & Carl... "Toda esta expectativa acerca do space rock é muito boa, mas não creio que dure muito. O space rock é ele mesmo como o espaço: sempre a mudar, sempre em movimento, mas sempre espaço. De toda a maneira, não temos muito em comum com eles. Porém gosto muito dos Tortoise e penso que a Thrill Jockey edita um material excelente.
Os primeiros singles dos Füxa, todos publicados pela Mind Expansion, a editora do nosso interlocutor, aparecem compilados em "3 Field Rotation" (Mind Expansion-I, 96). Do mesmo modo em que nas duas sinfonias em três actos situadas no equador, "Main Sequence Diffusion" e "Subway Short", nos mostram a sua faceta mais narrativa, "100 White Envelopes" e "Dreamlanding" dizem de si que não renunciam o pop.
"Toda a música dos Füxa é uma banda sonora; a da nossas vidas. Podemos usar qualquer estilo e fazê-lo com graça, alternando entre o nada e o tudo". Perdem momentaneamente a colaboração dos Space Monkeys Jesse Percival e Erik Morrison - agora assimilado pelo duo - em "Very Well Organized" (Mind Expansion-I, 96), um trabalho menos percussivo ainda que definidor das suas conexões com o dub "3cp"), o easy listening ("Pangea") e a composição cinematográfica ("Suspicious"). "A bateria volta no novo álbum - "Inflight Audio", já disponível através da I -. Utilizamos todo o tipo de sons, mas tentando não combinar demasiadas coisas de uma só vez. Além disso, não nos podemos esquecer que o nosso equipamento evolui em função do pressuposto -á partida".
A instrumentação tradicional do rock, um Moog e um quatro pistas são suficientes para gravar uma centena e meia de canções - "Homonym Hymn" não é mais do que "At Your Leisure" ao contrário - que acabam por não encontrar o seu tempo editorial. "Temos vários sete doze polegadas para editar em Abril e Maio. Também faremos algo com Juicy Eureka na nossa editora, mas esta é uma altura para nos relaxarmos um pouco e sentirmo-nos bem. A música é antes de tudo diversão, e se para ti não o é, tens então um problema".
Sem comentários:
Enviar um comentário