Musicalíssimo
Dezembro - 78
Preço 50$00
Nº 1
Director e Editor: Jacques C. Rodrigues
Chefe de Redacção: J. Afonso Costa
Fotógrafos: J. Marques, Abel Dias e A. Capela
Propriedade: Editorial Globo - Apartado 10 - Queluz
54 páginas A4 - papel de peso médio - páginas a cores e a p/b numa proporção de cerca de fifty-fifty.
Poster A3 (centrais), papel brilhante - Phil Collins
Banda do Casaco
Entrevista
Nuno Rodrigues e António Pinho. Eles são indiscutivelmente os «leaders» de um dos mais importantes grupos da música portuguesa dos últimos anos - a «Banda do Casaco».
Esta banda, com cerca de 4 anos de existência, já produziu 3 álbuns cujos títulos são (por ordem cronológica) «Dos Benefícios Dum Vendido no Reino dos Bonifácios», «Coisas do Arco da Velha» (que mereceu a classificação de melhor álbum de música portuguesa produzido durante 1976, classificação dada por um grupo de críticos de música ligados a jornais, rádio e televisão) e «Hoje Há Conquilhas, Amanhã Não Sabemos», que conquistou idêntico «galardão» também.
A banda tem pronto para sair, um novo álbum cujo título genérico é «Contos da Barbearia». Como eles vão dizer mais adiante «este novo álbum» é muito simplesmente a história de um indivíduo que como todos nós vai ao barbeiro, adormece, e como na história da «Alice no País das Maravilhas» passa para lá do espelho e sonha coisas diversas»...
O «gozo» do trabalho desenvolvido ao longo destes 4 anos, o novo disco, a música portuguesa, foram os temas duma longa conversa que tivémos com o Nuno Rodrigues e o António Pinho e que fica aqui reproduzida.
Uma conversa com a «Banda» por alturas de «Contos da Barbearia». «Banda» que continua teimosa nos seus propósitos de acreditar na música popular portuguesa. E como alguém da «Banda» disse um dia - «a música popular terá de ser um jogo onde todos participem - quem a faz, quem a divulga, quem a ouve, quem a critica...» Jogamos nessa...
M - O que há de concreto acerca do vosso novo álbum?
BC - Já gravámos um disco que deve sair durante o mês de Outubro. Será o 4º álbum da «Banda do Casaco».
M - Isso quer dizer que a «Banda» ainda existe?
BC - Nunca deixou de existir.
M - Quem constitui a «Banda do Casaco» neste momento ou se preferires, quem participa neste novo trabalho de estúdio?
BC - António Pinho, o Nuno Rodrigues, o Celso de Carvalho, a Mena Amaro e o Tó Pinheiro da Silva. Portanto pessoas que participaram noutros discos.
M - E os outros elementos que participaram em discos anteriores?
BC - Esses elementos saíram... como as pessoas saem dos empregos. Não há incompatibilidades, no caso da «Banda», mas como as pessoas têm outras actividades e o grupo não lhes pode proporcionar uma permanência fixa é natural que algumas saiam.
M - Chegou a falar-se da formação de um grupo, que para além dos álbuns estava na disposição de orientar o seu trabalho para outros campos, como por exemplo a organização de espectáculos regulares?
BC - É evidente que nós estávamos cheios de boa vontade, fizémos ainda alguns espectáculos e demos provas de ser capazes. Mas desistimos porque, como temos afirmado noutras ocasiões, é preciso um grande «staff» de material, que nós não temos hipóteses de ter, e portanto preferimos, de momento, suspender esses projectos. Isto não quer dizer que seja um projecto abandonado definitivamente; o que acontece é que de momento não temos hipóteses de fazer concertos amplificados condignamente. Nós fizemos esta experiência 4 ou 5 vezes e resultou muito satisfatoriamente para nós e para as pessoas. Sucede que isso era uma coisa diabólica. Por exemplo, fomos tocar uma vez ao pé de Aveiro, o «cachet» era bom, mas desse «cachet» cada um de nós ganhou apenas 1200$00, porque tivemos de alugar aparelhagem a um grupo de rock, o que nos custou os olhos da cara...
M - Portanto só podemos contar com a «Banda» a nível de registos em estúdio?
BC - É evidente que ainda que cheguemos à conclusão de que não faremos mais espectáculos, continuaremos pelo menos a fazer discos, o que já não é mau num país onde há muita gente a fazer espectáculos e maus discos... Portanto dos discos não desistiremos tão depressa.
M - Daí a saída próxima dum novo álbum?
BC - Exacto. O nosso 4º ábum chama-se «Contos da Barbearia» e é uma série de contos desligados uns dos outros e têm como elo comum o facto de começarem com uma historieta que se chama «Na cadeira do barbeiro», que é muito simplesmente a história de um indivíduo que como todos nós vai ao barbeiro, adormece, e como na história da «Alice nos País das Maravilhas» passa para lá do espelho e sonha coisas diversas que vão constituir o disco. Portanto histórias perfeitamente desligadas umas das outras mas à que demos o título genérico de «Contos da Barbearia». Digamos que este disco é a continuação mais ou menos lógica do «Coisas do Arco da Velha». Provavelmente este disco deveria ter sido o 3º e as «Conquilhas» o 4º. Será portanto natural que no futuro disco (o do ano que vem) retomemos o esquema das «Conquilhas». Aliás acho que um dos aspectos curiosos da «Banda» é que ao ouvirmos os trabalhos que foram feitos já há 4 anos eles continuam perfeitamente actuais.
M - A continuidade deste novo disco em relação ao «Coisas do Arco da Velha», com o «Hoje Há Conquilhas...», pelo meio, terá implicações a nível musical; terá implicações na vossa maneira de fazer as coisas; de compor?
BC - Posso adiantar que vocês vão encontrar neste novo disco uma coisa que se chama «Godofredo cheio de medo» que vai sugerir, embora sendo diferente na linguagem de texto e musical, o «Virgolino faz o pino», ou seja, a descrição de um personagem típico. Vão ter um romance tradicional cantado em Mirandez, que poderá ser o paralelo em relação ao «Romance de Branca Flor», etc....
M - Como vocês sabem a maior parte da crítica e toda a gente que ouviu bem os vossos dois últimos álbuns, fizeram referências ao «Coisas do Arco da Velha» em relação ao «Hoje Há Conquilhas...», como um disco com um som muito mais apreensível, sendo este último um trabalho muito mais amadurecido, de mais difícil assimilação. Este o que é que vai ser?
BC - Digamos que é o retomar do caminho do «Coisas do Arco da Velha» dois anos depois. Não há grandes pormenores de facilidade, mas há um esquema que lembra este nosso álbum. De qualquer forma passaram-se dois anos e as pessoas evoluem.
M - Tu Nuno, continuas a inspirar-te nos tradicionais?
BC - Continuo; se bem que pelo facto de termos pesquisado durante bastante tempo e de termos estudado as nossas características etnográficas, agora começam a surgir temas com essas características populares de forma espontânea. Chegámos portanto a uma altura em que pelo facto de estarmos a pesquisar os instrumentos populares e as próprias melodias as coisas acontecem espontaneamente. Neste álbum acontece uma coisa curiosa. Aparecem canções com música minha e texto baseado ou inspirado em temas tradicionais e da autoria do António Pinho; aparece o inverso e aparecem ainda temas completamente originais mas que têm já um sabor tradicional.
M - Uma constante do vosso trabalho é a pesquisa. Há alguma novidade neste novo álbum por exemplo em relação a instrumentos tradicionais ou formas musicais?
BC - Não. Em relação a instrumentos populares não aparece nada de novo, excepto o bombarda que não é propriamente um instrumento tradicional português mas mais bretão. Mas como há afinidades muito grandes, pelo menos nós temo-las descoberto, entre o nosso folclore e aquilo que se faz na Bretanha e na Galiza, nós vamos usar este instrumento que aliás é muito idêntico à gaita de foles na sua sonoridade. Exceptuando este pormenor não há grandes novidades a nível instrumental no novo álbum da «Banda». Usamos também uma cítara indiana na introdução de um dos temas, porque é uma fábula que se chama «Retrato de homenzinho pequenino com frasco». E não nos repugna nada meter ou utilizar instrumentos de culturas completamente distintas da nossa. Achamos que o importante é a forma como esses instrumentos são utilizados.
M - Será legítimo falar de fases distintas em relação ao trabalho que vocês desenvolveram em disco até agora?
BC - Os trabalhos feitos até agora são completamente distintos uns dos outros. O 1º é-o totalmente do 2º e este do terceiro. Talvez que o próximo álbum seja mais um trabalho de ligação. Os álbuns anteriores foram de pesquisa sonora, de forma de expressão. Este talvez seja o não nos atirarmos para outros voos e comentarmos um pouco mais as descobertas feitas nas etapas anteriores, ou seja nos anteriores álbuns, se bem que se possa considerar que alguns temas de «Hoje Há Conquilhas...», eram do «Hoje Há Conquilhas...», eram temas mais de vanguarda do que aquilo que estamos a fazer agora. Aliás este aspecto poderá vir a tornar-se polémico ou seja, até que ponto é menos na sua escalada! Há um outro aspecto que importa realçar que é o de entretanto terem aparecido outros grupos a tratar a música popular portuguesa. Se não estamos em erro só pouco tempo depois do aparecimento da «Banda» surgiu o GAC e agora existem vários grupos a trabalhar a nossa música tradicional. Havendo já uma série de escolas, de tendências, de trabalhar a música portuguesa, a nós dá-nos um certo prazer continuar a trabalhá-la de maneiras diferentes e descobrir novas formas.
M - Para além dos nomes já indicados há mais gente a colaborar neste novo álbum?
BC - Exactamente. Por exemplo o Armindo Neves (guitarra), o Carlos Zíngaro, o Zé Eduardo que nunca tinha trabalhado connosco e fez baixo-eléctrico, o Rui Reis (piano e órgão) e o Victor Mamede (bateria). E parece que não esquecemos ninguém.
M - E a nível de vocais?
BC - A esse nível não há novidades. É evidente que não houve preocupação de lançar pessoas através da «Banda». Parece que a «Banda» é que tem servido a várias pessoas para se lançarem. Isto não é uma crítica mas apenas uma observação. Neste LP não aparece nenhuma Cândida Branca-Flor ou Gabriela Shaaaf. Utilizámos como coro umas pessoas com quem estamos a trabalhar agora num álbum de música tradicional portuguesa, recolhas totalmente puras. É um grupo que estava ligado à Juventude Musical Portuguesa mas que vai ter um nome próprio e que verá o seu 1º álbum lançado no início do próximo ano.
M - «Benefícios...», «Coisas do...» e «Hoje Há Conquilhas...» são os álbuns editados até agora e que fizeram chegar até ao público o vosso trabalho desenvolvido ao longo de alguns anos, trabalho de pesquisa e tratamento da música tradicional portuguesa. Naturalmente a receptividade desse mesmo público foi diferente de álbum para álbum. Qual terá sido o mais bem aceite?
BC - O segundo foi o que vendeu mais e isso é um indicador. O 1º vendeu pouco, talvez porque foi o 1º. O 2º, talvez por ser o 2º ou pelas suas características, ou ainda por ter passado mais na rádio, foi aquele êxito de vendas. O 3º, por deficiências de promoção, porque já era mais difícil ou mais de vanguarda não foi um grande êxito mas apesar de tudo vendeu-se bem. Pelo menos no nosso entender!
M - Este é o vosso 4º álbum e a vossa 3ª editora. Até que ponto é que este pormenor pode ter tido influência no aspecto criativo dos elementos da «Banda» enquanto músicos? O facto de vocês poderem contar com mais ou com menos da editora não tem qualquer influência no produto final apresentado?
BC - Feito o balanço das editoras por onde passámos e aquela onde estamos, pode-se dizer que temos vindo a subir uma escada nas condições que nos são oferecidas para gravar os discos. De qualquer modo queremos salientar que não tem surgido qualquer tipo de limitação com a mudança de editora, nem essas mudanças nos têm condicionado para um tipo de reportório mais fácil ou mais difícil. Não há condicionantes de qualquer espécie. A única vez que tivemos de mostrar à editora aquilo que se pretendia fazer em disco (o que é perfeitamente natural), e nós numa situação de produtores sentimo-nos na obrigação de exigir isso das pessoas novas que apareçam, foi apresentar uma estrutura, uma maquete daquilo que se iria fazer no primeiro disco. Uma editora não aposta num LP duma coisa nova, sem saber o que é que se vai passar. A partir daí não houve uma editora que nos dissesse «Eu quero ver o que é que se vai fazer». E isto não será uma excepção connosco. Estas mudanças sucedem-se por diversos factores. Até pela mudança da nossa vida. Nós antes éramos «out-siders» da música e em determinada altura assentámos arraiais.
M - Voltando ao vosso novo álbum. Mias algum pormenor de relevo?
BC - Para nós o facto mais importante é que ele é uma súmula do que foi o passado da «Banda do Casaco» no aspecto de conhecimentos. Não demos outro salto para a frente, porque se todos os anos esse salto fosse dado havia qualquer coisa que não estava a funcionar bem. Se é verdade que apareceram vários grupos tratando a música portuguesa, pensamos que ainda não há nenhum que se identifique com a linha seguida pela «Banda». É provável que quando outros grupos começarem a trabalhar, duma maneira mais ou menos idêntica à nossa, a música portuguesa, a «Banda», dê mais um salto em frente.
M - E vocês pensam que isso possa vir a acontecer, a curto ou mesmo a médio prazo? Que apareçam portanto vários grupos tratando a música portuguesa duma forma semelhante à vossa?
BC - Pelo menos até agora, a forma como se tem estado a trabalhar a música portuguesa compreende algumas variantes. Há grupos que estão a fazer a pesquisa e a apresentar os temas da mesma maneira como os foram encontrar. Há grupos que seguem o mesmo esquema, mas ao nível de textos imprimem-lhe um cunho político-partidário. Será uma sequência natural e lógica que se comece a tratar a música popular de várias formas. A este respeito há um aspecto que queria salientar. Como no nosso país não temos um cancioneiro-geral, é muito difícil encontrarmos as fontes. É natural que daqui a dois ou três anos vários grupos estejam a tratar os mesmos temas, precisamente porque não há tantos temas como isso. Desta forma parece-me que estamos a caminhar para um ponto em que haverá tratamentos mais ou menos idênticos.
M - Vamos pensar que apareciam vários grupos tratando a música popular portuguesa. Vocês acreditam que todos esses grupos tinham possibilidade de sobreviver, de se manter a trabalhar a sério, sem o incentivo que é a gravação de um disco, considerada a eternização do trabalho desenvolvido, muitas vezes um trabalho árduo...
BC - ... Desculpa interromper, mas não estou de acordo, até porque os grupos que são conhecidos e que estão a trabalhar a música tradicional estão todos a ser postos em disco. Dá-me a sensação é que se esses grupos não evoluírem na forma de tratar essa música, então poder-se-á cair numa situação de apatia. Não se pode eternamente tratar as coisas ficando pela recolha pura, pondo o acordeão, a guitarra braguesa ou o adufe e mais nada. Há que evoluir dentro disso e essa é a nossa preocupação de facto. É evidente que temos uma canção tratada só com adufes, castanholas, um violoncelo e pouco mais, portanto quase no estado puro, como nós a apreendemos na origem. Achamos é que não se deve ficar por aí criando uma outra sonoridade para se fugir a essa apatia. Nota que nós, encontramos no nosso país os mesmos temas tratados de maneira diferente, de aldeia para aldeia, por vezes bem perto uma da outra. Acontece nestes casos que um tema foi assimilado pela cultura própria duma determinada aldeia duma maneira específica. Se havia naquela aldeia um indivíduo que tocava por exemplo bandolim, esse tema começava a ser interpretado com o bandolim, enquanto noutra aldeia era só cantado e com adufes. Ainda noutra aldeia (a 50 ou 70 km) o mesmo tema podia passar a ter outros instrumentos. Ora nós estamos em Lisboa, estamos no século XX, e temos portanto possibilidades de dispor de determinados instrumentos.
M - Isso é a velha discussão entre os puristas da folk e os modernistas, e sobre a qual se continuará sempre a dizer o mesmo. Uns dizem que sim, outros dizem que não...
BC - ... Resta saber é se às vezes a capa de purista não serve pura e simplesmente para encobrir incapacidades. De facto, muitas vezes, e por aquilo que nos é dado ouvir é essa a conclusão a que chegamos.
M - A existência de vários grupos tratando a música portuguesa pressupõe naturalmente a existência de muitos músicos. Na vossa opinião, existem neste país músicos para garantir o mínimo de qualidade ao trabalho desenvolvido por esses grupos que poderão vir a aparecer?
BC - Aí é que me parece que a situação é mais difícil. Parece-me que haveria músicos mas é preciso uma grande dose de «carolice», de trabalho e de dedicação à música para funcionar como nós funcionamos. Todos nós sabemos que lá fora os intérpretes, os grupos, etc.... não começam em disco mas sim por espectáculos. Cá em Portugal acontece normalmente o contrário. Começa-se pelo disco e raramente se fazem espectáculos. Ora, enquanto não houver condições para se fazerem espectáculos, é difícil surgirem os tais novos valores e por outro lado empurram-se as editoras para o papel ingrato de investirem um pouco às escuras. Parece-nos que para além do pôr o fado ao vivo, ou a balada, ou ainda por exemplo os «cantos livres», as coisas tornam-se mais complicadas. Também será mais ou menos fácil a um grupo coral que cante música tradicional portuguesa e não necessita de grandes meios de amplificação, bastar-se numa sala. No nosso caso, se calhar escolhemos o caminho mais difícil, e temos esse drama que é misturar num palco um violino, uma guitarra acústica, uma guitarra eléctrica, um órgão se necessário, uma bateria em determinada altura, etc. Portanto uma miscelânea de instrumentos acústicos com eléctricos, que exigem requisitos técnicos que custam fortunas.
M - De qualquer modo temos tido a oportunidade de assistir a alguns concertos de rock feito por músicos portugueses...
BC - Isso tem sido verdade nos últimos anos, mas atenção! A maior parte deles angariaram os fundos necessários para comprar a aparelhagem sofisticada que é necessária, muitas vezes indo por essas terras fora tocando em bailes os Cha-Cha-Chas, sambas, tangos e «carnavais», antes de poderem tocar as suas coisas em concertos. A maior parte desses grupos tiveram que passar por uma fase crítica, fazendo muita porcaria, para conseguirem chegar ao ponto em que se encontram neste momento.
M - Vocês pensam que a Televisão e a Rádio poderiam dar uma ajuda nesse aspecto, organizando concertos, mesmo em estúdio, onde fosse possível apresentar os grupos portugueses que existem, ou mesmo novos grupos?
BC - Em relação à Televisão, não sei quais são os seus planos futuros. No entanto parece-me que continua a passar pelas coisas. De facto os magazines são importantes como noticiários, mas depois passa superficialmente pelas coisas. Por exemplo a TV vai filmar os Festivais de Jazz de Cascais. Sim senhor, está no seu direito e na sua obrigação, mas há bons concertos de rock feitos por grupos portugueses e que não são aproveitados, e aí dá-me a sensação que é uma falha da televisão. Em relação à rádio, pois se neste momento tu estivesses a formular um convite para fazer um concerto em estúdio eu diria «Estamos interessados, vamos a isso», mas a médio prazo. Uma vez que estamos nesta situação de não fazer espectáculos, não ensaiamos tanto como ensaiaríamos se estivéssemos a funcionar em pleno ao vivo. Mas parece-me que era um passo importante a dar.
Entrevista conduzida por
João Filipe Barbosa
e Fernando Quinas
Van Der Graaf
O Fim De Um Ciclo
Na Universidade de Manchester, em 1967, cinco amigos resolvem formar um grupo - Keith Ellis, Peter Hammill, Hugh Banton, Guy Evans e Chris Judge Smith. Este último, foi quem deu o nome ao grupo mas pouco mais fez, já que passado pouco tempo o abandonaria. E pouco tempo depois, ainda sem terem gravado qualquer trabalho, dava-se a primeira dissolução dos V.D.G.G.
Peter Hammill continuou a trabalhar a solo, intensamente, aparecendo constantemente em pequenos espectáculos, cumprindo alguns compromissos que o grupo efectuara. No final de 1968, P.H., tem já uma proposta elaborada para um álbum, que é aceite. Durante as sessões de gravação, vão aparecendo todos os músicos, à excepção de Smith, que compunham os Van Der Graaf Generator, e que servirá de pretexto para a reformação do grupo. Assim, é editado, ainda em 1968, «Aerosol Grey Machine», primeiro álbum dos Van Der Graaf Generator.
Não passava ainda um ano sobre a data do lançamento do primeiro álbum e já o grupo sofrera novas alterações. Keith Ellis (baixo) abandona o grupo, entrando para o seu lugar Nic Potter. Nessa altura ingressa também um novo membro, Dave Jackson, que vem acrescentar ao grupo novas sonoridades com saxes e flautas. E é com esta formação que são gravados os dois seguintes álbuns, «The Last We Can Do Is Wave To Each Other», e «H to He I'm The Only One».
«H To He...» é um álbum que marca importantes mudanças no som do grupo. Peter Hammill, exímio guitarrista acústico, recusava o som da guitarra eléctrica nos álbuns do grupo. Neste álbum, esse som aparece pela primeira vez, no entanto não pela mão de Hammill mas por um amigo, nessa época um ilustre desconhecido que começava a chamar a atenção, e hoje mais que famoso, Robert Fripp.
Em «Pawn Hearts» Nic Potter já não aparece: - havia abandonado o grupo ainda durante as gravações do álbum anterior. O disco conta com a participação de Fripp nalgumas passagens, como artista convidado - o único na vida do grupo até hoje.
«Pawn Hearts», editado em 1971, marca também o fim do segundo ciclo da vida do Van Der Graaf Generator e o início da carreira a solo de Hammill.
Assim, ainda no decorrer de 1971, é editado «Fools Mate» sob o nome de Peter Hammill, e onde vamos encontrar de novo os V.D.G.G., a tocarem com ele. E é esta situação, com pequenas alterações, que se vai verificar nos quatro álbuns seguintes, «Chameleon In The Shadow Of Night», «The Silent Corner In An Empty Stage», «In Camera» e «Nadir«s Big Chance». *
«Nadir's Big Chance» é o apogeu da sua carreira como solista. É uma sátira Rock ao Rock, através da história de uma fictícia Pop-Star. Este álbum anteced a reestruturação do grupo, que irá produzir três novos trabalhos, com Peter Hammill nas guitarras e voz, Hugh Banton nos teclados, Guy Evans na bateria e percussão e David Jackson no sax e flautas. Este é o único período cujos álbuns são possíveis de se encontrarem no nosso país.
«God Bluff», «Still Life» e «World Record» não são três obras díspares mas formam uma autêntica trilogia, dinâmica e evolutiva. Um período de enorme riqueza criativa de Hammill. Musicalmente, o grupo expande-se para além de fronteiras inimagináveis, tornando-se definitivamente, quanto a mim, no mais extraordinário grupo musical dos nossos dias. Após os climas acústicos, tão ao gosto de Hammill nos primeiros tempos da existência do grupo, os Graaf passam a utilizar os mais sofisticados meios tecnológicos ao seu alcance, utilizados cada vez, maior insistência, dominando-os e manipulando-os de uma forma tão original quanto subtil. Geram climas emocionais intensíssimos, arrazantes. Uma música incrivelmente elaborada, trabalhada e desenvolvida; tão irreal por fora quanto real por dentro; fluxos sonoros que se sucedem numa cadência delirante, deixando-nos perfeitamente extasiados. Por vezes solene e grandiosa, outras, duma simplicidade e pureza notáveis. E Peter Hammill é um poeta, um verdadeiro poeta em toda a acepção da palavra. Místico, gnóstico, biófilo, desencantado, lúcido, angustiosamente lúcido. Crítico feroz, mesmo sarcástico por vezes. Ficcionista. Simbolista. Apaixonado.
Peter Hammill canta com tanta paixão e devoção, como se desse acto dependesse a sua vida. A sua voz, de dicção pura e cristalina, extraordinariamente melodiosa, é trabalhada na perfeição, muitas vezes dobrada em vários tons. Tanto pode expressar júbilo como desespero. Torna-se áspera quando necessário e suave quando lhe é exigido. Um ligeiro sussurro, quase inaudível e calmo, transforma-se num imenso grito de angústia, lancinante e dilacerante. Uma voz cristalina como uma gota de água, vigorosa como a terra, abrasadora como o fogo. Variando entre nuances de enorme beleza, é fascinante a projecção alcançada, sempre com a exacta expressividade.
Em 1977, Jackson e Banton abandonam o grupo, sendo substituídos por Nic Potter, que regressa ao grupo, e pelo violinista, ex-String Driven Thing, Graham Smith. Já com a nova formação grava Peter Hammill novo trabalho a solo, «Over». Um trabalho intimista, que é como uma reflexão, uma breve paragem, a busca de um sentido desaparecido. Um dos mais belos trabalhos de Hammill, tanto no aspecto musical como literário. Infelizmente não foi publicado no nosso país.
Pouco tempo depois grava novo álbum dos Van Der Graaf (agora sem Generator), «The Quiet Zone / The Pleasure Dome», que trás grandes alterações a nível estrutural e sonoro. O regresso de Nic Potter dá uma maior liberdade de movimentos a Guy Evans, impondo simultaneamente uma marcação mais forte e cerrada. Mas a grande novidade sonora é-nos dada através do violino de Graham Smith. O violino é um instrumento de enorme versatilidade, muito mais que o sax, deixando a Hammill uma maior amplitude de escolha de estruturas rítmicas e melódicas. O violino vem tomar um lugar de destaque, quer em solos, quer como suporte de todos os desenvolvimentos e discursos musicais. Os temas ganham uma nova flexibilidade. Dão-se frequentes mudanças rítmicas em cada tema, chegando mesmo por vezes a uma mudança radical do tempo, dando-lhes um novo dinamismo e vigor. A música ganha novos contrastes e uma maior unidade.
Era a entrada do grupo numa nova era. Infelizmente, hoje sabemos que efémera. Os Van Der Graaf desapareceram mais uma vez. Deixam um vazio que ninguém jamais poderá preencher até um novo regresso!?1
Mas Peter Hammill não ficou parado. Na altura em que a notícia do fim do grupo foi dada, acabava de gravar novo álbum-solo «Future Now».
«Future Now», como não podia deixar de ser, é um álbum fabuloso, que se segue a linha (se é que se pode chamar «linha» à evolução constante do grupo por caminhos tão pouco esperados como surpreendentes), iniciada em «Over».
Van Der Graaf, o mais espantoso grupo rock, voltará de novo um dia, quando ninguém esperar. Ficam-nos as obras a solo de Hammill, não menos espantosas. E esperemos que Peter Hammill passe a aparecer regularmente no nosso mercado discográfico. Pode ser que lá pelo Natal, como presente, a Polygram portuguesa edite «Future Now».
Van Der Graaf, patético. A emoção de se estar vivo.
G.T.
* No ano de 1974 a «família» Van Der Graaf Generator publicou um trabalho, que segundo informações que possuo somente foi editado em Itália e cujo título genérico é «The Long Hello». Um álbum totalmente instrumental em que participam David Jackson, Guy Evans, Nic Potter, e Hugh Banton. Curiosamente o próprio Peter Hammill aparece sob o nome de Pietro Messina, executando guitarras acústica e eléctrica e piano. O álbum regista ainda a participação dum tal Ced Curtis. Edição do LP na etiqueta United Artists.
O Rock Português
BEATNICKS
«Musicalíssimo» divulgará em todos os números nomes que constituem o panorama rock português, que por mais que certos detractores queiram evitar, existe mesmo e em força.
Para iniciar esta secção, que incluirá num futuro próximo também entrevistas com músicos rock portugueses, seus problemas e demais assuntos ligados com o movimento rock em Portugal, nada melhor que começar com os Beatnicks, que acabam de ver lançado no mercado discográfico português o seu primeiro trabalho em single, um trabalho bem esquematizado e promissor, que nos alerta para futuros discos e nos dá a consoladora certeza de em Portugal ser possível fazer rock do bom, e sobretudo apoiado por textos em português!
Os Beatnicks são actualmente: Jorge Casanova (guitarra-solo), Luís Araújo (bateria), António Emiliano (teclas), Ramiro Martins (guitarra-baixo) e António «Stratos» Leal (vos), e têm como não poderia deixar de ser uma história para contar: Reuniram-se há cerca de três anos Jorge Casanova e Ramiro Martins (que havia integrado uma formação mais antiga do grupo) e resolveram começar a tocar os dois. O «genesis» aconteceu numa peça de teatro cujo título era «Viagem à Íris».
Entretanto o nome Beatnicks, havia sido escolhido, uma vez que Ramiro tinha tocado nesse mesmo grupo e logicamente isso ajudaria imenso, por ser um nome já conceituado, que disfrutava inclusivamente de certo prestígio no meio musical português. Aliás, Ramiro é neste momento o único «sobrevivente» da formação original.
Sobre as influências que se evidenciam na música praticada pelos Beatnicks, Casanova acha que o grupo tem forçosamente que sofrer certas influências por tudo aquilo que os membros ouvem, porque é praticamente impossível uma pessoa alhear-se de várias coisas, nomeadamente pelo facto de toda a gente ouvir rádio todos os dias!
Sobre aquilo que para certos músicos é extremamente difícil - cantar em português - o grupo tem as suas próprias convicções e é de opinião, que se os habituais ouvintes da sua música são portugueses, a maneira mais eficaz e correcta de se expressarem será em língua portuguesa! O grupo afirma mesmo: - «As pessoas em Portugal tem a mania de que aqui nunca nada é bom, lá fora é que é! Mas nós, não pensamos do mesmo modo: - temos uma língua própria, devemos cantar nessa língua, até porque assim é muito mais fácil fazê-las sentir o que queremos dizer!». Todavia o grupo faz questão de frizar que este sentir, é apenas uma opção do grupo, e não uma dificuldade de «fabricar» as letras em inglês.
O responsável pelas líricas dos Beatnicks é Jorge Casanova; a música vem na continuação. Quando um trecho tem letra, o que nem sempre acontece, ou quando acontece ter só música, ou até ter só voz, Jorge Casanova faz o que falta, completando posteriormente o grupo os arranjos, que são feitos em conjunto.
Para já os Beatnicks ensaiam numa sala instalada num andar, em relação ao qual o senhorio impôs terminantes condições: - só poderiam ensaiar ali, se conseguissem isolar acusticamente o local. O isolamento foi feito - até porque se isso não se verificasse o grupo ficava de repente sem sítio para poder ensaiar-se - e assim, pouco a pouco, nasceu o estúdio onde o quinteto ensaia hoje em dia, produzindo rock, que a avaliar pela amostra contida no trabalho discográfico de lançamento - «Somos o Mar» e «Jardim Terra» - é do melhor que se tem feito no nosso País até ao momento, apoiado sobretudo nas potencialidades vocais de Tó «Stratos», a grande revelação do conhecido Musical Açores de 1977!
«Musicalíssimo» cá fica à espera de novos trabalhos e notícias dos Beatnicks, e de outros grupos rock portugueses claro!
J.A.C.
Outro conteúdo interessante, eventualmente a divulgar posteriormente:
. Dossier sobre os Genesis
--> GENESIS - «...Ant Then There Were Three...» - Entrevista (10 pgs.), por J. Afonso Costa
--> Keith Moon - baterista dos WHO - Morreu Uma Estrela Do Rock (artigo de 3 pgs.), por J.A.C.
--> O 8º Festival de Jazz de Cascais - reportagem de 3 pgs., por Fernando Quinas
--> Colosseum II - Artigo/Reportagem do Concerto de Lisboa (3 pgs.), por J. Afonso Costa
--> Uma Boite - Scarllaty
--> Novidade - Discos
Blondie - «Plastic Letters», por G.T.
Squeeze - «Squeeze», por G.T.
Stranglers - «Black And White», por G.T.
Moody Blues - «Octave», por JAC
Brand X - «Livestock», por JAC
Sparks - «Introducing Sparks», por JAC
Renaissance - «A Song For All Seasons», por JAC
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