Musicalíssimo
Setembro - 79
Preço 50$00
Nº 8
Director e Editor: Jacques C. Rodrigues
Chefe de Redacção: J. Afonso Costa
Corpo Redactorial: João Filipe Barbosa; João Pedro Araújo, Gonçalo Tello, Fernando Quinas, Carlos J. Gomes, J. Afonso Costa, Carlos Antunes, Abreu Costa, Manuel Cadafaz de Matos, A. Sérgio, C. Jorge, Marina Dias, Mané T. M., Rolling Stone, Maria Dulce.
Fotógrafo: Jorge Jacinto
Propriedade: Editorial Globo - Apartado 10 - Queluz
54 páginas A4 - papel de peso médio - páginas a cores e a p/b numa proporção de cerca de fifty-fifty.
Poster A3 (centrais) - Boney M.
FRANK ZAPPA - A Felicidade Musical De Um Ideólogo Infeliz
Depois de escrito este artigo, saiu o novo álbum duplo de Frank Zappa, "Sheik Yerbouti" sobre o qual nos debruçaremos em breve.
Escrever algo sobre Frank Zappa é extremamente fácil. Escrever algo sobre Frank Zappa, com interesse, pode tornar-se bastante complicado.
Quem é realmente Frank Zappa?
A que se deve concretamente toda a sua popularidade?
Até que ponto terá sido de facto um inovador ou mistificador?
Zappa é para alguns um génio, visto por vezes quase como um profeta; para outros é apenas um louco.
Tenho, como certo, para mim, que génio não é certamente e que um louco não se comporta assim. E como certo, tenho igualmente que a parte fundamental da sua personalidade não está no que aparenta ser mas no que aparenta não ser.
Francis Vincent Zappa nasceu a 21 de Dezembro de 1940 em Baltimore, Maryland, siciliano por sangue paterno, grego por sangue materno e americano por nascença. Aos dez anos de idade mudou-se com os seus pais para a West Coast, primeiramente para Monterey, seguindo depois para Pomona em S. Diego, aos treze anos. Finalmente a sua família mudou-se para Lancaster, na Califórnia, entrando Frank, que então contava dezasseis anos de idade, para a Antilope Valley School, onde permaneceria até à sua graduação em 1958. No ano seguinte ingressa na Chaffee Junior College e casa pela primeira vez com Kay. Esta ligação durará cerca de cinco anos.
Entretanto, Zappa, que aos doze anos se apaixonara pela bateria e aos dezasseis militou no grupo "The Blackouts" (descobrindo entretanto a música electrónica de Edgar Varése e ouvindo avidamente R&B, muito em particular Howlin'Wolf), começa a escrever as suas primeiras partituras, sem no entanto as ouvir executadas e aprofunda os seus conhecimentos musicais frequentando alguns cursos de harmonia.
Stravinsky e Stockhausen começavam também a interessar francamente Zappa, crescendo de igual modo a sua paixão pela música e pela guitarra eléctrica. Vivendo agora em Los Angeles, divide o tempo entre o emprego conseguido numa agência de publicidade (que lhe viria a ser de grande utilidade no futuro), e nas actuações em cocktails, o que não era propriamente a sua ambição.
Em 1960 faz a sua primeira gravação, uma banda sonora para um filme de segunda categoria, "The World's Greatest Sinner", envolvendo no projecto 52 músicos, acabando no entanto por não auferir nenhum proveito monetário desta experiência inicial a nível de gravações.
Mas em 1963 tudo iria mudar para Zappa de modo radical: - o seu antigo professor de inglês convida-o a compor a banda sonora do filme "Run Home Slow", um Western, dividindo com ele os proventos então conseguidos. Não foi uma grande fortuna o que recebeu, porém serviu-lhe perfeitamente para cimentar as bases da sua futura carreira, adquirindo uma guitarra eléctrica e um estúdio de gravação.
O estúdio foi baptizado como Studio - Z, tendo 5 pistas e um misturador mono. Era suficientemente espaçoso para que se pudesse lá instalar, acompanhado por duas amigas e um amigo, podendo desenvolver com inteira liberdade, a partir deste momento, as suas próprias experiências sonoras, dando largas à sua imaginação sem limites.
Já em Cucamonga, local onde se situava o estúdio Z, dá início a um projecto, com o seu antigo companheiro de estúdio, Don Van Vliet, aliás Captain Beefheart, para a realização de um álbum denominado "I Was A Teenage Maltshop", considerada a primeira opereta de Rock 'n' Roll. Contudo, este álbum, rejeitado pelo produtor, não chegou a ser publicado e o projecto The Scoots quedou-se por aí.
Como nessa época o dinheiro não abundasse, Zappa resolveu começar a fazer fitas sobre sexo, o que lhe valeu dez dias de cadeia e três anos de pena suspensa. Mas os seus problemas não ficavam por aqui; vivendo, em concubinato com uma menor, teve de pagar igualmente a fiança da sua amiga com os royalties obtidos com "Memories of El Monte", escrito de parceria com Ray Collins.
Apesar disto, pouco a pouco, tudo melhorava substancialmente, conseguindo alguns contratos para tocar - ou co-escrever - algumas canções, o que sempre lhe dava algum dinheiro indispensável para a concretização dos seus planos.
O passo seguinte seria a formação dos "Soul Giants", que pouco tempo mais tarde se passaram a denominar "The Mothers". A sua formação original era composta por Ray Collins (vocals), Roy Estrada (baixo), Jimmy Carl Black (bateria) e Dave Coronada (sax), que abandonaria pouco depois por desinteligências internas.
Os primeiros tempos da existência do grupo foram extremamente difíceis, escasseando o dinheiro e os contratos, mas acabaram por conseguir actuar no Whiskey A Go-Go, aí permanecendo algum tempo com aparições regulares. Whiskey A Go-Go foi o primeiro clube de Los Angeles a promover espectáculos ao vivo com os novos grupos e músicos que emergiam do rock, alcançando um sucesso incrível na época, tornando-se num dos lugares mais considerados e populares de toda a América. De facto, estas actuações foram a grande oportunidade do grupo, que acabaria por os lançar no futuro que hoje se conhece, pois foi aí que Cecil Taylor os descobriu e por eles se interessou, promovendo seguidamente todos os esforços necessários à publicação do seu primeiro álbum.
Zappa, entretanto, havia tentado conseguir um contrato com a Columbia, tendo essa sua tentativa ficado gravada na história do grupo, através da palavras imortais de Clive Davies perante a música que lhe fora apresentada: - "No Commercial Potential".
Em 1966, através do citado Cecil Taylor, assinam um contrato com a Mom / Verge Records, publicando em Agosto desse mesmo ano o histórico "Freak Out", o primeiro do grupo. E dizemos que se trata de um trabalho histórico porque: - foi o primeiro duplo álbum da história do rock; custou cerca de 21.000 dólares, número fabuloso para a época, sobretudo tendo em conta que se tratava de uma estreia; foi o primeiro trabalho no estilo de concept álbum, e pelas propostas sonoras então apresentadas, verdadeiramente revolucionárias para a época.
"Freak Out" representava o retrato do ambiente musical de Los Angeles, e do movimento Underground que tomava forma e força. Cabe agora frisar que, bem ao contrário da grande maioria dos músicos da Califórnia, Zappa nunca se mostrou muito interessado pelo sol resplandecente que aí brilhava, ou pelo Surf tão em voga, escrevendo cançõezinhas bem dispostas, agradáveis e óptimas como promoção turística. Não menos importante, convém deixar bem explícito que Zappa nunca foi um Hippie mas isso sim, e desde sempre, um Freak. De resto, isto não revela nenhuma perspicácia da nossa parte, uma vez que é o próprio Frank que faz questão de o reafirmar repetidas vezes, empregando a frase:
- "Sou e sempre fui um Freak, jamais um Hippie", como sua máxima.
De qualquer forma, ao longo de "Freak Out", esta asserção torna-se suficientemente evidente, para não passar despercebida. A sua música não revelava afinidades nenhumas com a que se fazia nessa altura a nível do rock, e em especial com a música dos Beach Boys, que eram então o modelo da nova juventude californiana, nem com a onda do Flower Power, que se alastrava por todo o mundo.
"Freak Out" era católico, anárquico, pesado. Possuía uma agressividade e uma violência absolutamente fora do comum, como se libertassem todos os seus instintos primários recalcados no dia-a-dia das suas existências. É curioso notar que esta violência encontrada em Zappa, sobretudo na época dos Mothers of Invention (nome que a companhia discográfica acabou por achar mais seguro para o grupo)., era substancialmente diferente da libertada por outros grupos; por um lado mais subtil e por outro mais selvagem e primitiva. Sem dúvida que deparamos com um paradoxo, mas não deixa de ser um facto real. Zappa cria através da sua concepção geral, quer musical, quer por vezes a nível dos textos, um clima subtil, trabalhado e com certas dificuldades de uma apreensão, completa, imediata; contudo, a interpretação, ainda que se trate de um trabalho de estúdio, é captada como se ao vivo fosse, ficando-nos a sensação de que a parte principal foi gravada de uma só vez, acrescentando-se posteriormente alguns arranjos orquestrais e efeitos especiais - hipótese bastante provável se levarmos em linha de conta as limitações da época. Ora, a violência selvagem e primária que há pouco mencionámos, é criada, segundo nos parece, precisamente pela tensão elaborada entre os diversos instrumentos por meio de uma grande ênfase dada ao trabalho individual, em que a improvisação representa um papel fundamental conducente a um clima de intensa emotividade, que resulta no ambiente especialmente truculento e instintivo, agressivo e brutal.
Admitimos também que as propostas musicais de "Freak Out" se nos afiguravam revolucionárias; vamos a ver em que medida isto é exacto:
- Tomando o termo revolucionário como lago que se cria de totalmente novo, a nossa afirmação estaria completamente errada já que, em boa verdade, Zappa não fez nada de inédito em termos musicais absolutos. Não obstante, mantêmo-la porque a sua concepção musical, essa sim, é de facto nova e revolucionária.
Zappa foi o primeiro músico a levar até às últimas consequências a ideia de colagem inerente ao Rock, não só a nível de textos mas a nível musical, encarando a composição sob um prisma inteiramente novo. As suas obras contêm as mais diversas e variadas referências (de forma e estilo) musicais, indo do clássico ao Jazz, do Rock até à música electrónica, passando pelos Blues, R & B e até pela música normalmente considerada de entretenimento como seja a música de cabaret dos anos 40 / 50, ou o vaudeville. Mas o principal interesse da sua música não reside propriamente nas referências, que por si só não lhe dariam mérito algum especial, mas sim no modo como as apreende e articula - a colagem.
Não deixa de ser significativo o facto de não notarmos na música dos Mothers a presença de qualquer instrumento que jogue de maneira preponderante no desenvolvimento dos temas. Isto é, quer o piano ou o baixo, ou mesmo qualquer outro, nunca concentram em si a ideia básica, melódica ou rítmica, estando condenados a tocar ao longo de um todo, que por seu turno se transforma, ele próprio, na ideia. Concepção esta que se acentuaria ainda mais no trabalho seguinte, «Absolutely Free», gravado nos finais de 1966. Deste modo a colagem passa a constituir, por assim dizer, a trave em que assenta a obra Zappiana, dado que ela própria se torna no todo, que por sua vez se transmuda na ideia absoluta da obra.
Mas este esquema de compor, organizar e arranjar, tudo em função de uma única e exclusiva ideia geral, será ligeiramente alterado a partir do seu álbum a solo, «Hot Rats», no qual se dá uma nova importância à secção rítmica, passando esta a constituir o fio condutor dos sucessivos desenvolvimentos e encadeamentos, ocupando um lugar de destaque, uma relevância decisiva, que até aí lhe fora negada.
Ainda falando dos primeiros tempos dos Mothers, outro aspecto interessante consiste no cuidado posto nos arranjos musicais, elaborados até ao mínimo pormenor. Aqui observa-se uma influência extremamente interessante, e importante, de Schoenberg. Como muitos decerto sabem, este músico contemporâneo, foi, e é, considerado, na maior das probabilidades, como o mais importante teórico da tonalidade, compondo algumas obras de perfeito conjunto tonal, para isso recorrendo a uma série inédita de soluções, tão originais e imaginativas, como revolucionárias. Frank Zappa, como é óbvio, não podia ficar indiferente a uma tão forte personalidade, sobretudo quando podia ir buscar aí uma das grandes fontes de inspiração para concretizar os seus ideais musicais. E de facto, essa influência pesa na mente de Zappa, muito em especial em soluções a nível de arranjos de metais, através de alguns excelentes jogos tonais.
Após «Absolutely Free», os Mothers iniciaram em Nova Iorque, mais especificamente em Greenwich Village, uma série de concertos que cimentariam definitivamente as bases da sua futura imensa popularidade, começando desde logo a gerar-se a polémica que ainda hoje acompanha a figura de Zappa, sobre a qual falaremos daqui a pouco mais detalhadamente.
O espectáculo dos Mothers, caracterizava-se, de imediato, pelo seu aspecto eminentemente teatral. Frank Zappa era o fulcro das atenções. Convidava as pessoas a participar activamente. Mandava parar os músicos e sentava-se descansadamente no palco, a fumar um cigarro, olhando a audiência fixamente. Entrava em longos monólogos, pretendendo fazer sentir às pessoas que, se ali estavam para ver estranhos, o melhor que tinham a fazer era olhar para elas próprias. Mas sobre o showman Zappa, teremos ainda oportunidade de nos referir mais adiante. De momento concentrar-nos-emos numa rápida visão sobre as suas obras discográficas.
Em 1967, Frank inicia simultaneamente a produção de duas diferentes obras, «Ruben and the Jets» e «Uncle Meat», enquanto termina «We«re Only On It For The Money». Este último, uma paródia ao rock e ao fenómeno Beatleano. «Ruben and the Jets» é um trabalho invulgar dos Mothers, sendo todo ele um abandono ao R&B e ao Rock 'n' Roll. «Uncle Meat», no entanto, embora tenha sido gravado no mesmo período, é diametralmente oposto, seguindo uma linha experimentalista.
Ainda em 1967, Zappa termina o seu primeiro trabalho a solo, «Lumpy Gravy». Segundo o autor, este álbum teria sido escrito em onze dias, tendo de recorrer a algumas composições antigas, revestindo-as de um novo tratamento sinfónico. Aqui, mais uma vez, fica bem patente o método de trabalho de Zappa: - uma colagem perfeita das suas múltiplas influências musicais, de Edgar Varése a Stravisnky, até Prokofief, ampliando agora a sua concepção a uma linha mais Jazzy, notando-se certas influências de John Coltrane, numa mistura grandiosa e eloquente, muito embora se assista a certos hiatos estilísticos, e a alguns desfazamentos incompreensíveis.
Entretanto, são editados vários ábuns-compilação dos três primeiros trabalhos dos Mothers para a M.G.M., não possuindo, porém, nenhum deles o feeling essencial do grupo, apresentando-se os temas, mais ou menos, apenas como um aglomerado disperso. Face a isto, Zappa decidiu encarregar-se ele próprio de uma compilação que mantivesse o espírito do conjunto e das obras, o que se veio a efectivar no álbum «mothermania».
Em 1969 publicam-se mais três originais do grupo »WPLY», «Burnt Weenie Sandich» e «Valerie», sendo o primeiro e o terceiro dois trabalhos virados para os anos 50. É editado um álbum com gravações ao vivo, «Weasels Ripped My Flesh», onde a guitarra de Zappa começa a sobressair e a salientar-se do resto do grupo, sobretudo num soberbo solo no tema «Get a little»; e dá-se o desmembramento dos «Mothers of Invention» até que as pessoas estivessem aptas a receberem a sua música e a assimilar.
Frank Zappa havia-se tornado entretanto num hábil administrador dos negócios do grupo, fundando inclusivamente uma etiqueta própria, distribuída pela Reprise Records, uma agência de publicidade e outros empreendimentos, que iria aumentar e consolidar-se após este primeiro desmembramento do conjunto. Neste período, intensifica de igual modo o seu trabalho a nível de produtor, procurando sobretudo descobrir novos elementos provenientes do underground de Los Angeles. Sem abandonar a sua carreira de compositor e de guitarrista, grava o seu segundo álbum a solo, «Hot Rats».
Como referimos atrás, «Hot Rats» marca uma viragem decisiva na carreira de Zappa; dá-se uma aproximação mais nítida ao Jazz e ao Rock se assim se pode considerar, tornando-se mais relevante a secção rítmica, na qual Zappa se impõe gradualmente como um virtuoso da guitarra. Assim, menos voltado para o experimentalismo, menos hermético e mais directo, Zappa conseguiu chegar, com este novo álbum, a uma nova camada de público que até aí se não mostrava muito receptivo Às suas obras.
Digo de interesse e nota é o beat quase matemático, com frases justapostas e repetidas, intersecções, e tudo isto numa medida exacta, culminando num todo complexo, coeso e homogéneo. Na guitarra, Zappa desenvolve sobretudo um esquema de pergunta-resposta, libertando-se por vezes da frase principal, mantendo sempre, no entanto, um marcado sentido de simetria deveras curioso.
«Chunga's Revenge», o seu trabalho seguinte, acentuava as premissas do anterior, nele entrando um novo elemento preponderante, a voz. Não que até aí a voz não assumisse um papel importante, só que estava inserida no todo, não representando, se assim se pode dizer, um papel perfeitamente autónomo e individual. Esta, de resto, ia ser a principal característica do trabalho seguinte, «200 Motels», banda sonora do filme do mesmo nome, também de Zappa, que não parece ter sido um projecto bem sucedido, como filme, já que musicalmente tem alguns momentos excelentes. De qualquer forma, não podemos fazer um juízo de valor totalmente correcto sobre o filme porque o não vimos e apenas nos baseamos em críticas realizadas por terceiros.
Com «200 Motels» dá-se a reformação dos Mothers que gravariam dois novos trabalhos, curiosamente duas gravações ao vivo: - «The Mothers - Filmore East-June 1971» e «Just Another Band From L.A.», intercalando com um terceiro trabalho - «The Grand Wazoo» e mais outro a solo - «Waka Jawaka», sendo este último uma continuação de Hot Rats, sob um aspecto grandioso, grandiloquente e levemente estéril, um tanto deslocado e o anterior um gozo, uma paródia a essas mesmas premissas de um jazz grandioso e conceptual, composto à medida dos seus ouvintes.
«Overnite Sensation» sai em 1973 e traz-nos um Frank Zappa mais rockilizado, popizado, tentando chegar a uma camada de público ainda mais vasta, sacrificando desse modo as suas complexas concepções musicais, apresentando dum modo muito mais simples e directo as suas composições (canções). Proposta que se vai seguir no trabalho imediato - «Apostrophe»: soft jazzy para relaxar os nervos, procurando na medida do possível não provocar o ouvinte, enquanto Zappa se vai aperfeiçoando e refinando em todas as subtilezas possíveis pelas técnicas cada vez mais sofisticadas dos estúdios.
«Roxy and Elsewhere» sai em 1975 e assenta basicamente em material gravado ao vivo, disperso, que nunca havia porém sido publicado anteriormente: um álbum sobretudo interessante, por mostrar diversas facetas de Zappa: - do experimental à paródia do jazz indo mesmo até ao plágio da guitarra de Hendrix (que por acaso tinha aprendido a tocar ao ouvir Eric Clapton, mas isso é outra história).
Ainda no mesmo ano, e igualmente gravado ao vivo nos concertos realizados na Finlândia, publica «One Size Fits All», um trabalho cujo único ponto negativo é uma certa falta de coesão total, embora em si cada tema, seja dos melhores momentos que Zappa nos ofereceu. «One Size...» é um trabalho que poderia ter sido uma das suas supremas realizações não fosse o aspecto já citado, que, e embora possa parecer de somenos importância, neste caso era fundamental.
A grande surpresa viria no final do ano com «Bongo Fury», gravado ao vivo no Texas, coroando de êxito as suas tentativas (ao longo de dois anos) de fazer com que o seu velho amigo Captain Beefheart pisasse de novo o palco. Contudo o álbum acabaria por ser uma grande desilusão, faltando-lhe força, homogeneidade e coesão suficientes para o tornarem interessante.
«Zoot Allures» surge seguidamente, devolvendo-nos uma Zappa tão rock quanto desinteressante. Pretensamente fácil, simplista, tentando apenas atingir objectivos comerciais, é a sua pior obra de sempre!
«Live In Europe» de 1977, não melhora muito a sua imagem dos últimos tempos, ainda que retroceda um pouco no tempo, tentando reencontrar a chama de outrora. Mas a verdade é que no fundo o álbum sofre de inépcia, dando-nos a impressão de que não se trata de obra sua. Melhor diríamos: - Realmente trata-se de uma obra sua, com o seu cunho inconfundível, mas interpretada sem grande convicção por terceiros.
«Studio Tan» de 1978, até ao momento a última obra publicada em Portugal de Zappa, e que antecede a já anunciada «Sheik Your Booty», com publicação assegurada entre nós para já, é um bom reencontro com ele próprio. Sem ser uma obra espectacular, consegue trazer-nos o humor e espontaneidade que pareciam irremediavelmente perdidos. Jogando sobretudo com a ironia e o falso, até da sua própria música. «Studio Tan» consegue por vezes ser perfeitamente desconcertante. Mas mesmo que não seja o melhor de Zappa, pelo menos dá-nos a certeza absoluta de que ele não está, de modo nenhum, acabado. De resto, sobre este trabalho, se falou mais detalhadamente na secção de análise de discos.
E uma vez passada uma visão rápida sobre a obra discográfica de Frank Zappa, detenhamo-nos um pouco na observação da evolução da sua ideologia e comportamento ao longo do tempo.
No início, Zappa, toma uma atitude de certo comprometimento político contra o sistema social e económico dos Estados Unidos. No entanto, depressa se compreende que essa sua atitude, afinal, não passava disso mesmo, não havendo qualquer empenhamento real, sério e profundo, para além de uma enorme necessidade de autopromoção. Houve é certo, e ainda há, certas pessoas que não se excusam a afirmar peremptoriamente o grande comprometimento, e a sua luta estóica contra o sistema; problema que é exclusivamente deles e não dele. Isto não quer dizer que o problema social não tenha interessado, ou melhor, preocupado, Zappa mas que tal o afectou apenas minimamente é sabido.
Os Mothers, como já dissemos, nascem na altura do «riot» da West Coast Sound. Zappa, tinha um público específico para se dirigir: - os jovens contestatários que faziam tremer as estruturas da sociedade, fanáticos apaixonados do rock. Era aí que tinha de procurar a sua futura audiência e para tal fim atingir, tinha de usar as armas certas. Nessa época, as armas certas eram precisamente o rock e a política; logo, se a sua opção por uma aproximação musical estava já concretizada, mais não lhe restava que assumir igualmente uma personalidade minimamente politizada. Se Zappa tivesse descuidado esse segundo aspecto, ainda hoje andaria à procura do êxito que sempre ambicionou alcançar. Claro que teve inúmeros problemas, mas isso não invalidade de modo nenhum a nossa afirmação, até porque os problemas fazem parte do jogo, como é natural.
Não haja ilusões, procurar agradar sempre ao público ou procurar chocá-lo continuamente é exactamente a mesma coisa; ambos põem a reacção do público em primeiro lugar. Zappa escolheu a segunda fórmula, chocar o público, ou seja, agradar a todos os que gostariam igualmente de o chocar, e quanto maior for o choque, maior será igualmente o movimento de reacção, a seu favor. Nada há de transcendente, tudo é natural. O único perigo que eventualmente poderia existir seria o abuso e exagero dessa fórmula, por isso a diplomacia tem de ser constante, e Zappa cultiva-a, não ousando ultrapassar certos limites, dentro dos quais tudo correrá como previsto.
Em 1968, afirmava que o Governo devia estar nas mãos dos jovens em vez de estar nas mãos de velhos. Logo de seguida dizia que os jovens não estavam educados para assumir o poder e que não via nada mais perigoso que a presidência dos USA nas mãos de um jovem de dezoito anos de idade. Duas afirmações que se anulam mutuamente: - se os jovens não estão educados, não deverão tomar o poder, logo a primeira afirmação deixa de ter qualquer valor; do mesmo modo, se os jovens deverão conquistar o poder é porque estão preparados para tal.
Seguidamente, e na continuação desta entrevista, inserida no livro «O Mundo Da Música Pop», de Rolf-Ulrich Kaiser, Zappa disserta sobre o modo de conquista do poder pela juventude. Da sua educação, nem mais uma palavra. Continuando, diz, após a conquista do poder, este não necessitaria de sofrer novas alterações, partindo do princípio que as pessoas que estivessem no Governo teriam uma situação e uma idade, de acordo com o termo médio da população.
Claro, a lógica de Zappa, é infantil e ridícula, mas tentemos pôr um pouco de ordem nisto tudo. Temos duas hipóteses:
a) Tomada imediata do poder pelos jovens.
b) Tomada do poder pelos jovens após um período de educação.
Supondo que se concretizava a primeira hipótese, o poder deverá ficar repartido entre elementos de um escalão etário e de «status» social, equivalentes ao termo médio da população, não necessitando, por outro lado, de ser substituído em qualquer caso, uma vez verificadas as premissas anteriores. Qual será então o tipo de Governo que, composto por pessoas cuja média de idades tenderá a aumentar cada doze meses de um ano e não obstante se mantém similar ao termo médio da população que aumenta, hoje, substancialmente, embora a um ritmo francamente mais moderado, podendo inclusive diminuir em dada altura, e cujo «status» social médio dos elementos que integram esse poder equivalerá o termo médio da população?
- Nenhum!
Não é de espantar a conclusão a que se chega. Anarquista, só em casa, mas o ideal seria não haver Governo. A partir daqui, poder-se-ia pensar que as respostas de Zappa teriam em vista a conclusão a que chegámos. No entanto, isso parece-me errado porque pressupunha um apurado sentido irónico que ele não possui. Quanto a nós, este facto deve-se à falta de lógica e ao vício do seu pensamento, nada mais.
O segundo caso, ilustra um outro aspecto da personalidade de Zappa - a sua diplomacia. Em toda esta sua entrevista não faz qualquer alusão ao que entende por educação nem aos meios pela qual esta devia ser realizada. Se se preocupa verdadeiramente com a conquista do poder, se o poder só pode ser conquistado após uma prévia educação da juventude, o problema da educação não só é fulcral como primordial. Ora, se afinal o que o parece preocupar são apenas os meios de conquista, sabendo no entanto, que tal não poderá acontecer, uma vez que faltará o sujeito da acção, só podemos concluir que não se preocupa de facto com o que se possa passar, apenas sente necessidade de o fingir. Nisto consiste a sua diplomacia: - parecer alguém realmente interessado nos diversos assuntos de modo a sugerir um belo efeito de retórica, vazia, amenizando as várias facções dos problemas em questão.
Contudo, teve o mérito de saber fugir de certos dogmatismos ainda mais primários, o que daria muita alegria àqueles que a dado momento resolveram mimoseá-lo com epítetos como traidor do povo, reaccionário, enfim, o rol usual nestes casos, agindo como um amante desesperado pela infidelidade do seu par.
Um outro aspecto que interessa considerar, por nos parecer fundamental, é a questão do movimento hippie e da sua distanciação do mesmo, onde encontramos o único facto coerente da sua personalidade. Proferindo «sempre fui e sempre serei um freak, jamais um hippie», mais do que afirmar algo, rejeitava uma posição que ele não pretendia assumir; envolvimento em grupos espirituais de qualquer espécie, grupos de acção política ou social, embuídos de idealistas primários e de misticismos confusos. Com o termo freak, Zappa não pretendia um método de estar na vida mas apenas uma atitude. Conservando sempre uma nítida distanciação de tudo o que se passa em seu redor, vai no entanto aproveitar essa realidade que o cerca para construir os seus próprios temas, até ao mínimo pormenor, demonstrando uma excelente capacidade de observação embora demonstre uma igual incapacidade de raciocínio.
Abandonando, pouco a pouco, quase completamente os temas de cariz político, vai passando gradualmente a afundar-se em pornografia. Durante os seus espectáculos, o palco transforma-se num imenso cabaret, com bailarinas nuas, semi-nuas e, algumas esquecidas, vestidas, deambulando por todo o espaço cénico. O sexo é o elemento essencial, explorado ao máximo, roçando por vezes a aberração total.
Frank Zappa quer chocar, provocar uma reacção imediata, forte e instintiva. Para ele, não importa a qualidade mas a intensidade, por isso é intrinsecamente pornográfico. E esta sua tendência leva-o mesmo ao ponto de, em palco, fingir que se masturba provando deste modo toda a sua hipocrisia. Quanto mais não seja, esta atitude é de uma falta de sentido estético total, o que, para alguém que se pretende artista, é absolutamente indesculpável. Um outro exemplo desta sua tendência, será o título dado a um tema, «I Promise Do Not Come In Your Mouth», que nunca poderá ter rigorosamente nada que ver com ele (tema) em si. Mas passemos adiante.
Tempos houve em que pretendeu, como já dissemos, ser um crítico da sociedade, não chegando contudo a profundar essa mesma crítica, limitando-se a ficar pela narrativa de certas situações e algumas deturpações. Mas a verdade é que, mesmo que quisesse aprofundar a crítica, deparava sempre com o seu conhecimento tão superficial quanto limitado, da verdadeira realidade e suas causas. Tentou fazer uma crítica da mulher norte-americana e percebeu que nada conhecia para além de groupies. Tentou criar o «American Way Of Life», mas ele próprio era um dos mais completos exemplos desse mesmo american way of life e do «faz-te por ti mesmo», tão caro aos súbditos do Tio Sam. Desistir, era o melhor que tinha a fazer.
Enfim, Zappa é um grande admirador de Varése, Stravinsky, e de alguns outros nomes que já indicámos, logo, será lícito perguntar porque não se dedicou à música experimental, de vanguarda, procurando novas formas de expressão musical em vez de tentar uma aproximação ao rock? Muito simplesmente porque só o rock lhe podia dar o êxito e o dinheiro que tanto ambicionava. Claro que se pode argumentar que o rock procura novas formas de expressão, que o seu campo é ilimitado, que a electrónica se tem desenvolvido imensamente dando sempre novas possibilidades para o rock, e assim sucessivamente. Mas quaisquer que sejam os argumentos, nenhum rebaterá a nossa afirmação. A preocupação fundamental de Zappa pelo rock é o dinheiro, não tenhamos dúvidas.
Bom, para finalizar, resta apenas dizer que Francis Vincent Zappa, como músico, tem algumas peças de excepcional qualidade e que, como guitarrista, terá forçosamente de ser visto como um dos seus melhores executores de sempre. Francis Vincent Zappa, ideologia nunca teve nenhuma pois nunca foi capz de pensar algo que não fosse um amontoado difuso de ideias mal delineadas; por isso não se pode falar de uma verdadeira personalidade ideológica em Zappa, ainda que por vezes tenha tido algumas ideias, e escrito alguns textos, interessantes.
Gonçalo Tello
Rock Português
Arte & Ofício
É com imenso prazer que hoje publicamos mais uma colaboração dos nossos leitores no que respeita a concertos ao vivo que vão acontecendo por esse país fora.
Assim, o leitor António Jorge Catarino dá-nos conta na sua missiva de alguns concertos que sucederam na cidade onde habita - Beja - nomeadamente com o grupo portuense Arte & Ofício durante uma longa digressão designada por 2Lois Rock Tour" que percorreu muitas capitais de distrito portuguesas.
Somente achamos estranho que mais nenhum leitor nos tenha dado conta de outras actuações incluídas no citado "tour", uma vez que muitos deles viram certamente algum dos concertos realizados.
Assim, daqui alertamos todos aqueles que quiserem dar-nos conta daquilo que se passa nas suas localidade em matéria de concertos: - Dêem notícias, escrevam, marquem a vossa presença nas nossas / vossas páginas.
Cá ficamos à espera dessas notícias. O rock português está vivo! confirmem isso e dêem simultaneamente sinal de vida!
Quero falar-lhes sobre um acontecimento invulgar no nosso país: a Tournée do grupo português ARTE & OFÍCIO pelas principais capitais. Como não podia deixar de ser Beja teve como local de espectáculo o cinema Pax-Júlia no dia 29 do mês passado. Ficar indiferente ao concerto seria ignorar a música ROCK e como tal decidi-me a pagar os 100 paus e a assistir de perto e pela primeira vez à actuação do grupo portuense. A sala se bem que não estivesse repleta denotava já indícios de que iria apresentar muita malta, essencialmente jovem, o que viria a acontecer mais tarde. Cerca das 22h dois rapazes com os nomes artísticos de MARTINI & PATRONI aparecem no palco e sem apresentação prévia (apenas com as suas 2 violas) iniciam a sua actuação como suporte do A&O. A pouco e pouco contagiam a assistência com temas de Joan Baez e John Denver, entre outros, particularmente bem interpretados e com um feeling impressionante (como combinam bem as vozes!!!). Foi como que o aperitivo para um bom prato. Devo dizer, e isto é a minha opinião pessoal, que aqueles moços devem ser estimulados e apoiados sem reservas, porque talento não lhes falta, apenas lhes falta um certo à vontade em cena, não do tipo de chegar lá e desbobinar todo o reportório p'ra ir apanhar o comboio como eles fizeram. Julgo que foi o ponto negativo da sua actuação talvez para darem entrada ao grupo-chave do show.
Quanto ao conjunto ARTE & OFÍCIO há a louvar toda a sua estrutura, toda a sua força de vontade, no entanto a malta esperava muito mais no que respeita a aparelhagem e parte técnica (incluo os jogos de luzes e slides-inexistentes). De registar algumas deficiências técnicas quando o Fernando Nascimento solava e que pôs o público em autêntico alvoroço. Sanou-se o problema, mas a verdade é que o conjunto se despediu friamente duma assistência espectacularmente acolhedora e não merecedora de tão aborrecido desfecho. Aconteceu que sem ninguém esperar abandonaram o palco, mas as luzes continuaram acesas. A malta ficou em suspense, aplaudindo e assobiando na expectativa de ouvir mais um tema; voltaram, cantaram bem, mas a despedida foi feita com um simples "Tchau!". Aquela atitude faz-me pensar numa espécie de chantagem para com o pessoal, na medida em que se tratava duma prova que eles queriam fazer, só que depois abalaram e todos ficaram boquiabertos. Bem... o A & O tem um bom solista (muito sóbrio e nada espectacular), vai beneficiar imenso com a entrada de António Pinho p'rás teclas e o Garcês, o Sérgio Castro e o Álvaro não lhes ficam atrás. Quero também dizer que em certos temas a voz era um tanto abafada, apenas se ouvindo clara e totalmente numa canção intitulada "Finaly" de que gostei imenso.
Foi o que se passou em Beja a propósito do concerto do ARTE & OFÍCIO, mas já se registaram cá actuações não muito inferiores e ainda recentes de grupos como HOBNOB, FERRO & FOGO (incluindo o ex-vocalista dos HOSANNA) e RENOVAÇÃO (muito modificado e interpretando temas doutros grupos estrangeiros). Espero bem que tenhamos cá bons conjuntos, porque esta malta provou ser receptiva e entusiasta.
Mudando de assunto quero focar o pormenor estranho de não ter sido publicado o número referente a Maio e que me deixou intrigado, visto que as saídas têm sido regulares e desta forma ficámos privados das notícias relacionadas com o momento. Porém há que trabalhar no sentido de colmatar essas dificuldades para que no futuro tenhamos a revista que merecemos e não mais um exemplo chapado do que se passa com a revista "MÚSICA & SOM". Digo isto porque já fui assinante da mesma e sei avaliar as barreiras levantadas para conseguir uma normal saída de exemplares.
Aproveito o ensejo para lhes lembrar que no início o pessoal do "MUSICALÍSSIMO" deu todo o apoio aos grupos portugueses, fazendo a divulgação nas suas páginas da sua existência e não só, pois incentivavam toda a malta a dar mais atenção a todos aqueles que lutando contra tudo e todos vão conseguindo singrar neste pobre país em realizações musicais. O que é preciso é não descurar esse objectivo, OK?
Portanto esta foi a minha colaboração que desejo continua e sempre renovada e na medida do possível bem compreendida. Continuo a acreditar na equipa do "MUSICALÍSSIMO" e exijo cada vez melhor no campo da informação musical.
P'rá frente com os projectos!!!
Tangerine Dream
Sonho Espacial Imaginário
Fim da década de sessenta. O synthesizer tinha sido inventado há pouco, os músicos descobriam as suas ilimitadas potencialidades musicais, o rock em decadência não tinha ainda sequer dado origem aos «decadentes» sem os Roxys e os Bowies para deliciar as nossas insuspeitas «perversidades», a crise abria caminho para algo de novo que ao rock constituísse alternativa... Os alemães estavam para isso em lugar privilegiado, graças a uma escassa assimilação ao rock inglês e norte-americano, a uma ideossincrasia musical onde os Wagners e Beethovens ainda pesavam com intensidade, onde a técnica e a matemática se contrapõem ao ritmo, onde o prazer cerebral se sobrepõe Às melhores «good vibrations» da pura sensação física. Era a vez de começar a fazer música moderna «séria», algo na sequência daquilo que um jovem grupo «underground» inglês aflorava no seu álbum «A Saucerful Of Secrets», os Pink Floyd, grupo que Edgar Froese e Klaus Schulze ouviam...
Surgia assim o Rock Alemão, em 1969, quando Edgar Froese abandona o grupo Demis a que pertencia e também o rock californiano que então praticava como guitarrista, juntamente com Klaus Schulze. Formam o grupo Tangerine Dream, um sonho que os levasse para novos horizontes musicais, cuja primeira tentativa em 1970 se chamaria «Electronic Meditation», uma meditação electrónica e também tradicional em termos de instrumentos, com Klaus Schulze executando as percussões e outros sons inovadores retirados de «instrumentos» como o chicote e objectos metálicos, Froese com a guitarra e teclados e Connie Schnitzler com guitarra, violoncelo e mais cordas. Um álbum muito marcado pelo já citado álbum dos Pink Floyd, extremamente complexo, violento e agressivo, ainda bem longe da suavidade extasiante que conheceríamos mais tarde. Um álbum falhado mas válido a título experimental, embora Klaus Schulze desistisse para ir formar os Ash Ra Tempel com Manuel Gottsching e Connie Schnitzler partisse para os domínios da música contemporânea pura. Edgar Froese fica com o «sonho tangerina» reduzido a um único sonhador ´mas não desiste e, em 1971, surge uma nova tentativa ao lado de Christopher Franke e Steve Schroider trazendo mais dois instrumentos para a complexa estrutura musical do «sonho», a flauta, a cítara e mais um synthesizer. Gravam «Alpha Centauri», o nome de uma estrela, a que está mais perto de nós depois do sol, mas suficientemente longe para que a viagem não atinja o seu objectivo principal, a criação do que se chamaria o «som espacial».
Para que não tenha a mania que todos os grupos só são bons quando apenas um pequeno número de pessoas os conhecem, Alpha Centauri ainda é um mau disco: desponta já sem dúvida o som espacial, um afastamento crescente do seu principal influenciador, os Pink Floyd, uma ruptura total com tudo o que se possa chamar Rock, mas ainda é evidente toda uma desorganização de ideias, de estrutura sonora, não obstante alguns momentos de grande qualidade como «Fly And Collision Of Coma Sola» interpretado à flauta por Udo Denenbourg, «artista convidado» para o efeito. Um álbum que coloca os Tangerine Dream entre qualquer coisa de novo mas ainda não atingindo, e a música contemporânea de Stockhausen. «Zeit», que quer dizer «tempo» e editado em 1972, vem revelar que é preciso dar tempo ao tempo para os Tangerine Dream. Entra Peter Baumann com mais um synthesizer que substituirá Schroider a partir do trabalho seguinte, participa também Florian Fricke (Popol Vuh) com ainda outro synthesizer que ocupam todo o disco sem participação dos restantes instrumentos. É um trabalho que juntamente com as experiências de Klaus Schulze começa a fazer a Kosmische Musik (música cósmica) ganhar forma. A electronização é total, a harmonia assume significado especial, a melodia é praticamente inexistente, a frieza é penetrante, a monotonia insuportável. Mais uma experiência, útil para os Tangerine Dream mas totalmente ineficaz em termos de público, e que mostra já qual a veia musical a seguir [... voltam aos seus climas de pura música electrónica embora com fortes doses de frieza, de climas sinistros e de grande intensidade..]???, consubstanciada em «Atem», no ano seguinte. «Atem» é o início da serenidade, das vagas de sons electrónicos, da lenta e sensual movimentação de estruturas e impressões. A música deixa de parecer uma estranha estrutura electrónica virtualmente produzida por complexas e retorcidas mentalidades para assumir dentro de um timbre exclusivamente electrónico um colorido natural, espacial porque etéreo e fluído, mas bem dentro da natureza humana. A distinção com os «contemporâneos e concretos» passa a ser flagrante pela visível construção formal de sons que não se projecta em planos puramente intelectuais. Um belo álbum que possui já todos os adjectivos correntes em Tangerine Dream: Música espacial, suave, sensual, fluída, serena e relaxante.
«Phaedra», editado em 1974 é o auge desta fase, com um crescente acentuar na humanização da electrónica, retratando sensações, emoções com uma expressividade nunca dantes alcançada, com uma força que leva os Tangerine Dream a assumirem verdadeira identidade junto de um público cada vez mais vasto, sobretudo em França, país que inexplicavelmente é mais aberto que qualquer outro às novas experiências musicais de vanguarda. Phaedra é secundado por uma proposta a solo de Edgar Froese, «Aqua» onde o elemento aquático se formaliza instrumentalmente para sugerir planos idênticos a Phaedra, embora numa perspectiva mais tecnicista, mais de pesquisa sonora. 1975 é o ano de «Rubycon», um álbum que reforça ainda mais os caracteres do grupo, produzindo já todas as doces carícias sonoras por intermédio das quais os admiradores dos Pink Floyd se passaram a identificar não obstante a essência musical nada tenha a ver com o rock. É o primeiro disco verdadeiramente planante dos Tangerine Dream, o primeiro a penetrar na serena beleza das estruturas espaciais com toda a dimensão que o synthesizer abria, com a musicalidade intensa das estruturas fluídas e esbatidas que se desenhavam em termos que chegaram a ser comparados com razão aos impressionistas, além de uma certa placidez e profundidade mental bastante eivada de caracteres orientais. Um álbum a todos os títulos delicioso que nos abre uma porta para uma nova dimensão musical que embora afastada do rock, exigindo um método de audição substancialmente diferente, se encontra numa sequência natural e evolutiva de um certo tipo de rock, o rock progressivo. E surge então o álbum «Ricochet», onde Froese, Franke e Baumann atingem o seu máximo de qualidade de sempre. Álbum gravado ao vivo durante uma digressão francesa, Ricochet representa um máximo de apuro na conjugação de três personalidades distintas numa actividade criativa espontânea dificultada por uma estrutura musical de tendência muito individualizante, que resulta aqui na mais fantástica criação de música cósmica que conheço. Ricochet é um verdadeiro rodopio de sons, um carrocel de impulsos e sensações que nos são ao dizer porque não compões. Achas centes e descrentes em tom, como um verdadeiro ricochete, uma estrutura muito mais rica em colorido e variação dotada de uma força rítmica de tal intensidade que produz um impacto tão eficaz como o mais puro rock and roll, embora por meios totalmente diversos, como é evidente. Ricochet assume por isso importância fundamental, pelo êxito na obtenção de um clima musical de impacto imediato sem prescindir de uma veia musical definida anteriormente. A todos os títulos em álbum fora de série, só tenho pena de o conhecer de «ricochete» e não ter assistido ao vivo o tal estonteante concerto como certamente foi o que deu origem ao disco. Por outro lado, Edgar Froese edita o seu segundo trabalho a solo, «Ypsilon In Malaysian Pale» verdadeira obra-prima de música electrónica onde tenta com todo o êxito uma via «classicista» para a música electrónica. Verdadeira maravilha discográfica, este álbum é um estádio evoluído de «Rubycon» mas sob uma perspectiva muito especial onde o impressionismo e música oriental são factores dominantes. Entretanto, o Rock Alemão ou Música Cósmica passa a ser música das multidões que transforma Tangerine Dream e outros em super-stars, o que acarreta neste caso concreto algumas consequências musicais que se podem resumir num retorno crescente ao rock por parte dos Tangerine Dream.
"STRATOSFEAR" marca uma nova fase dos Tangerine Dream. São pela primeira vez editados em Portugal, afinal um índice de uma popularidade que já não era possível ignorar, e a sua música não é de novo exclusivamente electrónica, embora seja dominante. Surge pela primeira vez o piano (exceptuando alguns momentos em Ricochet), a harmónica e bateria. Edgar Froese volta a pegar na sua velha guitarra eléctrica. E, embora a música mantenha a beleza serena dos seus climas, o pulsar repetitivo de ritmos "cardíacos" vai-se desvanecendo para dar lugar a sonoridades mais movimentadas e coloridas, dando vida, vigor e expressividade ao lirismo simples e natural dos seus tons impressionistas. É um trabalho que vindo na sequência directa de Ricochet, ultrapassa a barreira do Rock com grande nitidez. Corroborando esta nova veia musical, "Romance 76" de Peter Baumann, editado no mesmo ano, vem revelar com maior nitidez a nova via que se desenha: uma estrutura que da electrónica pura traz novos sons que se fundem com as formas Rock, tendo como resultado uma dinâmica de construção substancialmente diferente com um enorme acréscimo na qualidade melódica. Um excelente trabalho numa perspectiva objectiva, mas indubitavelmente o primeiro golpe na fase cósmica de Tangerine Dream. No entanto, "THE SORCERER", banda sonora que o grupo compõe para o novo filme de William Friedkin, faz uma pusa nesta orientação. Uma vez que o tema o exigia, dade dramática como o filme exigia e que a música identifica na perfeição. Muito forte, pela extraordinária intensidade dramática que emana e pelo brilho com que se retoma uma veia já ultrapassada. The Sorcerer é um dos álbuns importantes dos T. D. Mas a "doença" do Rock já tinha pegado em força na criação musical de Tangerine Dream alastrando as suas características por todos os pormenores. "CYCLONE" é disso exemplo significativo, desde a instrumentação que se reabre às guitarras, baterias, percussões e outros instrumentos, embora os synthesizers e sequenciadores continuem a produzir os elementos dominantes da música dos Tangerine Dream, até toda a estrutura sonora que recria a ess~encia Rock através dos mesmos esquemas que suportavam a música cósmica. O resultado é surpreendente mantendo uma posição musical originalíssima que continua a não ter paralelo no Rock progressivo. Daí, que os Tangerine Dream continuem a ser Rock Alemão, ou Música Cósmica pela sua total individualidade entre todos os nomes do Rock Progressivo. Cyclone é pois um disco de Rock progressivo, ainda que muito especial em termos estilísticos, e de qualidade também: sobre um papel preponderante de Froese com a guitarra há um intenso diálogo rítmico com os synthesizers, cortado por partes vocais, um solo de "violino", uma sequência de "percussões", ou várias secções de "sopros" que através do synthesizer ganham o timbre perfeito, tudo num clima muito intenso em ritmo, melodia, e "som planante". Infelizmente nunca editado entre nós, Cyclone é como obra de Rock Progressivo um trabalho de extraordinária qualidade. Entretanto, um álbum ao vivo "ENCORE". Um duplo que surpreendentemente volta a transportar-nos para os climas de Ricochet: Novo regresso aos deliciosos turbilhões de imagens e sons, à pura exploração das vagas sonoras planantes, e por isso um trabalho obrigatório para quem aprecie a fase electrónica de T. D., embora aqui o grupo não deixe de revelar as suas novas tendências. De salientar especialmente o extraordinário trabalho de Froese ao piano, entre climas bastante sugestivos do já feito a propósito The Sorcerer.
Entretanto, mais um trabalho a solo de Edgar Froese, o duplo "Ages" que mais não que a confirmação da música produzida no grupo que ele afinal lidera, embora uma sua perspectiva pessoal o faça evitar estruturas demasiado "rockizantes".
E por fim, ao lado de mais uma produção a solo de Peter Baumann que já tivemos a oportunidade de referir aqui anteriormente, sai o último trabalho de Tangerine Dream, "FORCE MAJEURE" agora editado recentemente. Uma longa introdução em puro estilo "cósmico" abre o disco para logo ser dominado pela guitarra de Edgar Froese no mais puro estilo Floydiano. Seria quase caso para se falar num "regresso ao útero materno" se toda a estrutura não se encontrasse num estádio nunca alcançado pelos Floyd, mas a verdade é que a sugestão é muito forte, prosseguida por um desenvolvimento de synthesizers bastante planante quebrado por pausas de sons electrónicos de grande intensidade. Trata-se efectivamente daquilo que os Floyd poderiam ter feito num estádio mais evoluído de certas fases de "Dark Side..." e de "Wish You Were Here"... Sobressai deste álbum muito especialmente o trabalho de guitarras de Froese que é excelente e um clima muito intenso que se estende por todo o trabalho, ainda uma reminiscência dos tempos de Rubycon e Ricochet, mas aqui numa base predominantemente melódica. É um trabalho que se pode dizer que fecha um ciclo, voltando ao ponto de retorno mas numa posição extraordinariamente mais evoluída que esse ponto, os Pink Floyd. Em Tangerine Dream deixa de haver lugar para aquela frieza, para aquele tom anti-séptico de laboratório que caracterizava os seus climas, para dar lugar a um som equilibrado em termos de colorido e calor, sem perda de uma identidade muito própria. Na realidade, Ricochet é um álbum que musicalmente usa e esgota todas as possibilidades que a música cósmica dos Tangerine Dream podia possibilitar. Fechou nitidamente uma porta. A outra, era o Rock, via Rock progressivo que necessariamente tinha de desembocar em Pink Floyd. Mas num Pink Floyd ideal, muito diferente daquele que hoje é, o "Pink Floyd" que os Pink Floyd não conseguem ser. É isso, é essa posição que os Tangerine Dream ocupam. Com um potencial musical espantoso que a sua longa viagem musical lhes possibilitou, com uma qualidade de execução que não é passível de qualquer crítica, com um estilo de criação que joga na perfeição com todos os elementos do Rock progressivo: melodia, um pouco de ritmo, muita harmonia, e o insólito - aquela centelha de brilho e luz que traduz toda a dimensão de qualquer forma de Rock progressivo. Não vamos lamentar o fim da fase cósmica dos Tangerine Dream: foi uma bela viagem, um belo sonho, não apenas tangerina mas de todas as cores e tonalidades que nos deixou obras primas como Ricochet... Mas o regresso, também não é inferior em qualidade e expressão. Com Stratosfear, Cyclone e este soberbo "Force Majeure", em verdadeira força maior, só se pode dizer: bem vindos ao Rock!
OMEGA
É lícito e lógico que quando se pensa em termos de rock a nível mundial, se fale também em termos de nacionalidades.
Assim temos como mais conhecido e desenvolvido o rock que se faz em Inglaterra, Estados Unidos, Alemanha, Itália, etc.
Não é todavia muito conhecido o rock que se pratica (se é que se pratica) para lá da cortina de ferro e em certos países europeus nomeadamente Luxemburgo, Espanha, Mónaco, etc.
Apenas quanto a certos países menos desenvolvidos musicalmente, (em termos de rock claro) se sabe que na Hungria existe muito forte movimento musical bem expresso especialmente através da carreira auspiciosa dos Omega, grupo que devido às suas qualidades intrínsecas se projectou além-fronteiras, conqusitando mesmo certa notoriedade no difícil mercado inglês, além de bastante popularidade em termos de outros países europeus, nomeadamente Portugal onde os seus trabalhos "Omega", "Time Robber" e "Skyrover" conqusiatarm para o conjunto enorme pleiade de admiradores e fans.
Formados em 1963 como grupo universitário semi-profissonal, os Omega começaram desde logo a grangear enorme popularidade nos circuitos universitários do seu país natal.
O seu primeiro álbum, apresentado por alturas de 1968, foi simultaneamente um marco importante na sua carreira e na música moderna da Hungria pois foi o primeiro disco rock a ser editado no País.
Além de os projectar internamente esse trabalho começou a torná-los conhecidos nos países circunvizinhos.
Mais tarde, "tournées" em Inglaterra, Jugoslávia, que foram alternadas por shows televisivos e por execução de fundos musicais para bandas sonoras de filmes, abriram-lhes as portas do sucesso em termos europeus.
Em 1970 foi-lhes conferido o prémio da Radiodifusão hungara que premiava a melhor audição do ano.
Após a sua participação no célebre "Barbarela International Pop Group Festival", de Tóquio, também em 1970, os Omega realizaram várias actuações na República Federal da Alemanha, Escandinávia e Polónia. Efectivamente os Omega são desde a sua constituição compostos por Laszló Benkó (sintesizes, mellotron, órgão e pianos), Ferenc Debreceni (bateria, percussão e vibrafone), János Kóbor (vozes), Támas Mihály (guitarras acústicas e guitarra-baixo) e Gyorgy Molnár (guitarras, guitarra-sintesiser, guitarras acústicas e guitarra de doze cordas).
Tal facto conseguiu criar no seio dos Omega um clima de compreensão e um perfeito entendimento entre todos os membros, factor primordial para a actual maturidade musical, e vocal existente entre todos os elementos, e que faz dos Omega um grupo de inegável interesse, inspirado, discreto mas seguro, trilhando firme e decididamente o caminho do êxito a que indiscutivelmente têm direito por mérito próprio.
Autor: ??????
Outro conteúdo interessante, eventualmente a divulgar posteriormente:
. Crítica - Discos
.. Jethro Tull - "Live", por JAC
.. Emerson, Lake and Palmer - "Love Beach", por FN
.. The Clash - "Give'em Enough Rope"
.. Mamas and Papas - "20 Golden Hits"
David Bowie - artigo de fundo de 5 páginas, por J.P.A.
Jethro Tull - artigo de fundo de 3 páginas, por Domingos Manuel Santana - Série "Figuras do Rock"
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